São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Diálogo com Bandeira é mais importante

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

É um acontecimento literário. O documento mais importante do modernismo. A história subterrânea do movimento de 22. A discussão sobre os caminhos da poesia.
Assim os professores Davi Arrigucci Jr. e Luiz Roncari definem os 22 anos de correspondência entre Manuel Bandeira e Mário de Andrade, o conjunto mais importante dentro de toda a correspondência passiva a ser revelada.
Tal qualificação se explica, entre outras coisas, pelo fato de que é com Bandeira que Andrade tem um relacionamento de "igual para igual", abandonando o "tom professoral" que norteia, segundo os professores, sua correspondência com vários interlocutores.
"Os dois se dizem coisas por carta que não se disseram à viva voz. Isso mostra as dificuldades dos dois em relacionamento direto, mas que se abre muito, fica confessional quando por escrito. Paradoxalmente, o período em que estão mais próximos é o período em que estão mais distantes. Há momentos extraordinários", afirma Arrigucci, crítico literário e professor de literatura brasileira na USP.
Essas cartas estão na tese de mestrado "Diálogo Epistolar: Edição da Correspondência Mário de Andrade-Manuel Bandeira", defendida no final de junho por Marcos Antônio de Moraes, na USP.
Além das cartas inéditas de Bandeira, a tese resgata três novas cartas de Andrade e trechos cortados da correspondência publicada pela primeira vez em 1958. Agora, há apenas uma carta que continua lacrada (leia abaixo). As cartas cobrem o período de 1922 a 1944. Até 1939, a frequência é semanal.
"O que começa como sendo uma grande amizade intelectual, a correspondência de dois poetas, vai evoluindo para o diálogo de dois amigos. Ao mesmo tempo, a imagem da poesia pronta, irretocável, muda. O trabalho poético adquire uma conotação muito humana, um influenciando a poesia do outro. São pessoas com dúvidas, fraquezas, dilemas. Há muita confidência, muita confissão", afirma Roncari, escritor e professor de literatura brasileira na USP.
Segundo Arrigucci, o valor da correspondência pode ser analisado dos mais diferentes aspectos: como documento de crítica literária, registro histórico, mostra das relação pessoais de intelectuais e de relações urbanas.
"É um documento único sobre poética, tanto no sentido prático, de como construir a poesia, quanto do ponto de vista da teoria. Eles discutem minuciosamente um número enorme de poemas que estão na obra poética de cada um e outros que foram rejeitados. Falam de verso, métrica, ritmo, imagem, linguagem", diz Arrigucci.
Há comentários sobre obras como "Libertinagem" e "Guia de Ouro Preto", de Bandeira, e "Amar, Verbo Intransitivo", "Losango Cáqui" e "Macunaíma", de Andrade, entre outras.
Outro ponto é um balanço das amizades e relações pessoais no período. Há comentário sobre Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.
Sobre Manuel Bandeira, Arrigucci ressalta que é evidente, com as cartas, que existe uma "simplicidade de relação do cotidiano correlato aos poemas escritos". Ele dá como exemplo a carta em que Bandeira conta sua mudança do Curvelo para a Lapa, no Rio.
"É como o poema do cactus, áspero, belo, intratável, com um despojamento notável. O mesmo despojamento está na poesia, a simplificação do traço estrutural faz parte da vida de relações", diz o crítico literário.

LEIA MAIS à pág. 4-4

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