São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Uma carta continua lacrada

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Todo o mistério envolvendo a correspondência de Mário de Andrade não será revelado por inteiro. Uma carta enviada pelo escritor a Manuel Bandeira continua lacrada, na Casa de Ruy Barbosa, no Rio de Janeiro.
Sobre ela, nem os mais íntimos do acervo do escritor fazem comentários definitivos. "Ouvi dizer que existe, mas não sei detalhes", desconversa a professora Telê Ancona Lopes, responsável pela organização do Arquivo Mário de Andrade do IEB.
Há rumores de que tal carta conteria uma revelação pessoal da vida de Mário de Andrade ligada à sexualidade do escritor. "Sei do que todo mundo sabe, mas não há certezas", disse Luiz Roncari.
O ex-secretário particular de Mário, José Bento Faria Ferraz, 85, é outro que ouviu falar da carta. Acha que talvez ela possa conter detalhes sobre o período em que Mário de Andrade ficou no Rio.
"Soube que na estadia de Mário no Rio ele usava tóxicos, cocaína, sei lá o quê. Agora, se ele era homossexual, não sei. Eu acho que isso tudo não destrói o valor da obra de Mário de Andrade", afirmou.
José Bento conta que, nos anos 60, um estudo feito por alunos de uma escola de Ribeirão Preto concluiu, pela análise de contos, que o escritor era homossexual.
"Numa ocasião, fui a um congresso em Belo Horizonte e Antonio Candido estava lá. Eu levantei esse problema e ele me disse que Mário de Andrade foi um heterossexual. Mas, e que fosse homossexual? Oscar Wilde foi. E que fosse?", disse.
Segundo Davi Arrigucci Jr., o homossexualismo de Mário de Andrade está insinuado em uma carta em que Bandeira comenta o poema "Girassol da Madrugada". "Ele dá conselhos para que certos trechos sejam suprimidos, a menção a um louro espanhol. Mas se fala muito de mulher, de paixões por mulheres", afirmou.
Para o crítico, a sexualidade do escritor é um aspecto relevante. "Tenho a impressão de que há momentos em que isso é importante para discutir questões de estilo e para decifrar referências dos poemas. E, certamente, a sexualidade não é coisa pequena", disse.
O crítico literário Silviano Santiago vai além do documento lacrado e lembra que, apesar das cartas de Bandeira serem constantes até 44, a correspondência de Andrade pára em 35. "É preciso saber se existem cartas após 35 e qual é seu tom. Não as conheço, ninguém as viu, mas elas teriam um lado confessional", disse. (PD)

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