São Paulo, sábado, 19 de julho de 1997
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Quem não se comunica...

RUBENS RICUPERO

Tinha razão o velho guerreiro. E não só em termos de relações pessoais. O sentido deste fim-de-século é claro: só darão certo os países capazes de se comunicar com o mundo.
Mas para isso é preciso ter o apetite da mudança, das coisas novas. Veja-se o caso da economia americana. Nos últimos anos, ela deixou longe seus concorrentes europeus e japoneses porque dominou, muito melhor do que eles, as tecnologias da comunicação.
Em artigo triunfalista por ocasião da reunião do G-7 em Denver, o "Wall Street Journal" reconhecia que os méritos do modelo americano se afirmavam de forma particular nos momentos de transformações rápidas. Nessas horas, leva vantagem quem pode adaptar-se sem demora às novas condições.
Ora, o modelo USA é, por excelência, o da mobilidade do capital e do trabalho. Em nenhum outro país é tão fácil fazer ou desfazer uma empresa, contratar ou demitir operários. Jovens de 20 anos, recém-saídos da universidade, podem obter crédito bancário para explorar suas idéias em oficinas montadas em garagens. É o clima propício à inovação, à invenção, ao gosto do risco.
É bem verdade que outros fatores estão presentes. Os gastos fabulosos com pesquisa na área militar são um exemplo. Cedo ou tarde, boa parte da tecnologia desenvolvida nesse setor se propaga às empresas, gerando novos nichos de competitividade.
É conhecido o caso da Internet surgido no Pentágono, alastrou-se pelo mundo como fogo em mato seco. É hoje uma das invenções que estão mudando a face da terra e a vida das pessoas. Apesar de sua universalização, em janeiro de 1995, os Estados Unidos e o Canadá concentravam 70% dos usuários, contra 21% na Europa Ocidental, 4% no Pacífico (leia-se Japão), 3% na Ásia. Nós estamos diluídos nos 2% correspondentes à rubrica "resto".
Não é de admirar, assim, que em discurso de 1º de julho, o presidente Clinton tenha endossado as propostas do chamado Relatório Magaziner em favor do estabelecimento de "Uma Moldura Global para o Comércio Eletrônico". Pouco mais de uma semana depois, a posição européia, expressa na Declaração Ministerial de Bonn, indicava um alto grau de convergência entre as nações que detêm mais de 90% do uso da Internet.
As transações comerciais efetuadas por meio não só da Internet, mas das redes de telecomunicações em geral poderão atingir de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões ao longo dos próximos cinco anos. É por isso que os países industrializados desejam que se regulamentem os principais aspectos desse comércio: sistema de pagamento eletrônico, uma espécie de código comercial mundial para facilitar o comércio eletrônico, a proteção da privacidade e segurança, o controle do conteúdo e, sobretudo, a idéia americana de que "a Internet seja declarada um ambiente livre de tarifas sempre que utilizada para o fornecimento de produtos e serviços".
Um acordo nessa área seria como o do que falta entre o acordo sobre produtos de tecnologia de informação, alinhavado em Cingapura, e o relativo a serviços básicos de telecomunicação, concluído em Genebra. Para se ter uma idéia da ordem de magnitude envolvida, basta dizer que o total do comércio coberto por esses dois acordos é de mais de US$ 1 trilhão, equivalente à soma do comércio mundial em agricultura (US$ 444 bilhões), automóveis (US$ 456 bilhões) e têxteis (US$ 153 bilhões).
Em tese, a expansão do comércio eletrônico deverá, a médio e longo prazo, gerar benefícios para todas as partes. A simplificação e o gradual desaparecimento dos procedimentos baseados em papel tenderá a reduzir custos e encorajar a participação dos parceiros menores. Uma página na Internet, por exemplo, é a mesma para uma pequena empresa do Chile ou uma transnacional dos Estados Unidos.
No futuro imediato, porém, alguns países estarão melhor posicionados do que outros para se beneficiarem de regras de liberalização do comércio eletrônico: os EUA, os europeus, os tigres asiáticos, a Austrália.
Outros como a China, a Índia e o Brasil poderão ter uma boa chance de competir se preencherem duas condições. A primeira é melhorar a "conectividade", isto é, o grau de desenvolvimento e sofisticação da rede de telecomunicações, em termos de número de linhas telefônicas, de satélites, de telefones móveis e, especialmente, de usuários da Internet e outras redes.
A segunda é embarcar num esforço maciço de "alfabetização eletrônica", como vêm fazendo os EUA, o Japão, Cingapura, alguns dos quais adotaram planos de cinco anos com essa finalidade. No fundo, o destino econômico de países como o nosso vai depender muito da nossa capacidade de fazer da geração entre 15 e 20 anos uma geração de gente dinâmica, inovadora e de sensibilidade tecnológica.

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