São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 1997
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Duas discografias

. Hyldon
"Na Rua, na Chuva, na Fazenda...", 75 (*)
Disco de estréia de Hyldon, é o que contém seus maiores sucessos: "Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)" e "As Dores do Mundo" (leia comentário acima).

"Deus, a Natureza e a Música", 76 (*)
Passado o estrondo inicial, Hyldon precisou se acomodar ao sucesso moderado. Embora este disco não possua nenhum êxito do porte dos anteriores, significa aprimoramento, em várias escalas, de seu trabalho. Grande parte do nascente movimento black carioca está presente: Oberdan Magalhaes, Cristóvão Bastos, Jamil Joanes (todos membros da Banda Black Rio, que estrearia com "Maria Fumaça" um ano mais tarde), Mamão, Alexandre e Zé Roberto (do Azymuth), Carlos Dafé. As melodias, mais definidas, vão das toadas soul (a faixa-título), passando por rock-balada ("Estrada Errada"), até o rock em si ("O Homem-Pássaro", "Morte Doce").

"Nossa História de Amor", 77 (*)
Este é o disco de Hyldon de que Hyldon diz menos gostar. Contrato esgotado com a PolyGram (então Phonogram), é sua chegada à Sony (então CBS). A voz aparece alguns tons acima do habitual, puxada ao agudo/anasalado. O uso de orquestra persiste, agora com reforço de Robson Jorge, futuro mago da diluição dos 80. As canções são em geral nervosas, quando não esganiçadas ("Eu Gostaria de Saber", "Porque Vivo Só"). Destacam-se as baladas exacerbadas de amor ("Eu Sou um Anjo") e o funk carioca "Estão Dizendo por Aí".

"Sabor de Amor", 81 (*)
Novo disco, nova gravadora -Continental. Hyldon chega aos anos 80 algo extemporâneo, estabilizando a verve de funk carioca num momento em que a onda Black Rio fora ultrapassada pelo pop de novela. O disco começa pelo funk "Vadiagem", bem próximo do Tim Maia do fim dos anos 70, continua em tom de soul e desemboca em seção bem brasileira -a baiana "Amor na Terra do Berimbau", a carioca "Vem Dançar o Samba", a mineira "Viveiro de Pássaros".

"Coração Urbano", 86 (*)
Gravado no selo independente Recarey, "Coração Urbano" é declaração de cansaço de Hyldon. Ele se rende a um padrão de letras edificantes e dilui seu sangue black em romantismo açucarado de rádio AM. Tentando adequar-se à pasteurização que imperava, tornou-se mais manso em temas de escoteiro como "Parceiros" ("a vida é uma jogada bem mais fácil de ganhar/ quando se tem um parceiro/ quando se tem um amigo/ quando se tem um amor"). "Metrópole" é a tentativa de preservação do laço com a textura Black Rio.

"Hyldon", 89 (*)
"Hyldon", mixado por Wayne Henderson (ex-integrante dos Crusaders), abre com "Pétalas Vermelhas", um soul à Motown com participação vocal de Alfonz Jones, em clave entre Smokey Robinson e Curtis Mayfield. A diluição é equacionada, e o disco segue com funks sacudidos, mas tranquilos ("Trem da Madrugada", "Vá Embora, Tristeza"), ainda em sintonia com o que Tim Maia costumava fazer no final dos 70). Peças esdrúxulas: "Obaluaê", entre discothèque e afro, e "Caminho de Santiago", parceria com Paulo Coelho.

"Mo Ni Isé Re", 93 (*)
Único disco de Hyldon nos 90 até agora, não goza da aprovação do autor: "Nem considero, não ficou legal tecnicamente". Traz umas poucas inéditas e regravações de "Na Rua, na Chuva, na Fazenda" (com produção de Lincoln Olivetti), "As Dores do Mundo", "Nossa História de Amor" e outras. A voz se mostra bem mais madura, mas os arranjos sintetizados são inconstantes.

. Itamar Assumpção
"Beleléu Leléu Eu", 80 (**)
Itamar estréia em disco com a banda Isca de Polícia, em pleno auge da "vanguarda paulistana". É seu disco mais experimental, repleto de vinhetas, ruídos e hermetismo, em paisagem de blues, soul, funk, jazz e reggae descompromissados com a necessidade obsessiva de brasilidade. Entre pérolas semi-secretas ("Fico Louco", "Baby", "Nega Música", "Beijo na Boca"), há a faixa-ícone de sua obra, "Nego Dito", criadora da mística de "Benedito João dos Santos Silva Beleléu, vulgo Nego Dito Cascavel", aquele que "apagou um lá no Paraná, pá pá pá". É álbum fixador de maldição: nunca mais Itamar se livrou da pecha de "experimental" -às vezes mais para o mal que para o bem.

"Às Próprias Custas S/A", 83 (**)
O segundo disco com a Isca é gravação ao vivo de show, forma encontrada para driblar as dificuldades de produção. Tem deficiências técnicas marcantes, só atenuadas pela seleção de releituras -"Negra Melodia" (Macalé-Waly), "Você Está Sumindo" (Geraldo Pereira), "Vide Verso Meu Endereço" (Adoniran Barbosa), versão loucona para "Noite de Terror" (Getúlio Côrtes), do repertório jovem guarda de Roberto Carlos, e um punhado de inéditas (com destaque para "Batuque"). Sem concessão alguma à facilidade de audição, é mais um disco a agravar a má fama de anticomercial do artista.

"Sampa Midnight - Isso Não Vai Ficar Assim", 86 (**)
Itamar aproxima-se da melodia e destila potência poética em 15 novas criações, mas a instrumentação sequiosa de experimentalismo -e jazzística como nunca- predomina. Há belos achados poéticos em "Prezadíssimos Ouvintes", "Isso Não Vai Ficar Assim" e "Chavão Abre Porta Grande", e vocais brilhantes de sua irmã Denise Assunção. Mas é o experimentalismo que rende a faixa predileta das vanguardas: "Sampa Midnight".

"Intercontinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!!", 88 (***)
Itamar chega, afinal, a uma grande gravadora (a Continental), o que coincide com aprofundamento do apuro técnico e do namoro com a melodia. É disco pop que o preconceito não permitiu que chegasse ao mercado. Convivem blues ("Mal Menor"), samba-enredo ("Maremoto"), canção épica ("Filho de Santa Maria"), toada matogrossense ("Adeus Pantanal"), pura melodia ("Sutil", "Oferenda"). Denise Assunção e Neuza Pinheiro travam duelo de virtuose nos vocais, enquanto Itamar comprova-se pronto ao reinado pop.

"Bicho de 7 Cabeças - Volumes 1, 2 e 3", 93/94 (**)
Cinco anos depois, Itamar volta em enchente de produtividade. Forma a big band feminina Orquídeas do Brasil e lança a trilogia "Bicho de 7 Cabeças" (em CD, condensada em dois volumes), tour de force de pesquisa de sonoridades pop. Melodias próximas à perfeição dispersam-se em baião ("É Tanta Água", com Tom Zé) funk ("Nobody Knows", "Me Basta"), samba-canção ("Estropício", com Macalé), soul ("Tua Boca")... Disco feito para o estrelato pop, foi mais um a sucumbir ao preconceito de mercado contra o suposto "maldito".

"Ataulfo Alves por Itamar Assumpção pra Sempre Agora", 95 (****)
Na longa jornada melodia adentro, Itamar chegou afinal ao mineiro Ataulfo Alves (1909-69). Libertou 20 de seus clássicos das grades dos clichês do samba, transformando-as em obras-primas de Itamar Assumpção & Isca de Polícia. Primores pop como "Meus Tempos de Criança", "Saudades da Amélia", "Laranja Madura", "Errei Sim", "Errei Erramos" e "Na Cadência do Samba" passam por minucioso processo de encadeamento. Itamar as vai citando umas nas outras, criando álbum de pop conceitual para os 90 -que público, de novo, e a gravadora Paradoxx ficaram sem conhecer.

(*) títulos fora de catálogo, podem ser encontrados na Baratos Afins (tel. 011/223-3629). (**) em catálogo (Baratos Afins). (***) relançado pela Continental em CD "dois em um" com o disco "Ná Ozzetti" (88). (****) em catálogo (Paradoxx)

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