São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entrevista por acaso com policial na padaria

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Domingo na padaria. Dois policiais militares entram e pedem café. Um deles, uns 30 anos, provoca o menino de 7 anos que está comigo. Pergunta como deve fazer para usar um brinco como o do menino, se o chefe não deixa.
O menino responde bem, sem constrangimento. O clima amistoso, dos dez minutos seguintes, quebra um pouco da antipatia, do desprezo e do medo que policiais me inspiram. Crio coragem e começo a conversa.
Pergunta - O sr. me responderia uma pergunta?
Policial - Pois não.
Pergunta - O que o sr. pensa dessas greves da polícia?
Policial - (risos)Você é da polícia?
Pergunta - Não. É só uma curiosidade minha.
Policial - Só posso dizer que sem greve ninguém ouve a gente. O pessoal cansou.
Pergunta - Mas o sr. sabe que greve de polícia é ilegal, está na Constituição.
Policial - Mas aí eles vão ter que mudar isso, porque ninguém aguenta mais.
Pergunta - O sr. escolheu ser policial ou foi por acaso?
Policial - Foi meio sem pensar. Porque eu precisava de um trabalho que desse estabilidade.
Pergunta - O sr. se arrepende?
Policial - Me arrepender, não sei. Mas se eu pudesse tinha estudado ou tinha montado um negócio meu. Ainda quero fazer isso.
Pergunta - Desculpa perguntar, mas, qual o seu salário?
Policial - Isso é bom nem dizer. Para você ter uma idéia, eu precisava ganhar três vezes o que ganho para deixar alguma coisa para o meu moleque, da idade desse seu.
Pergunta - Ele é meu sobrinho. O senhor tem um filho só?
Policial - Tenho dois. Uma menina de 2 anos também.
Pergunta - E de quanto seria um bom salário?
Policial - Uns mil e quinhentos, mais ou menos, para começar.
Pergunta - Mas parece que a população não tem uma boa imagem da polícia. O caso Diadema foi muito chocante.
Policial - Aí você precisa ver uma coisa. Aqueles caras foram uns animais. Não é a polícia toda que é assim. Agora, um cara estressado pode fazer muita loucura.
Pergunta - O sr. é estressado?
Policial - Na polícia, todo mundo é estressado. O pessoal aí não sabe o que é arriscar a vida todo dia por R$ 500. Pior são os caras lá da Paraíba, que ganham R$ 172.
Pergunta - O sr. tem medo de ser morto?
Policial - Tenho medo todo dia. Mais por meus filhos e minha mulher.
Pergunta - Sua mulher tem medo da sua arma?
Policial - Da arma? Ah, não, lá em casa ninguém toca nela. Eu guardo direito.
Pergunta - O que o sr. acha que deve ser feito para a polícia não ser violenta?
Policial - Acho que tem que mudar muita coisa. Primeiro tem o problema do salário. Se o policial se arrisca ganhando pouco, ele também respeita pouco o trabalho dele.
Pergunta - Qual a melhor polícia do mundo na sua opinião?
Policial - Ah, a americana, claro.
Pergunta - Por quê?
Policial - Porque lá eles têm o FBI.
Pergunta - E o que é que tem o FBI?
Policial - O FBI é o FBI, não tem igual.
Pergunta - Mas aqui também tem a Polícia Federal.
Policial - (risos)Só que isso não muda nada, pode até piorar.
Pergunta - Não entendi.
Policial - Nem dá para explicar. Esse lado aí é mais complicado de eu poder falar.

E-mail mfelinto@uol.com.br

Texto Anterior: Novo depoimento depende de recuperação
Próximo Texto: Arquivo mostra só resumo das cartas de Mário de Andrade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.