São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 1997
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A vida e a Bolsa

LUÍS PAULO ROSENBERG

Há uma contradição entre a evolução dos dados que caracterizam o desempenho recente da economia brasileira e o desmoronamento sofrido pelas cotações das ações nas Bolsas de Valores nacionais.
Realmente, enquanto os números macroeconômicos indicam progressos em vários frontes, o comportamento das ações exprimia a histeria típica de um país à beira do colapso econômico.
Se o Brasil não é Ásia, como se explica a reação frenética das nossas Bolsas de Valores, após a flexibilização da política cambial dos tigres recentemente rebaixados a gatos?
Em primeiro lugar, não há como negar a semelhança do comportamento das nossas contas externas e o das deles: déficits crescentes em transações correntes exigindo financiamentos galopantes do resto do mundo, já que o governo insiste em não resolver o problema com uma desvalorização cambial geradora de divisas pela via do comércio.
Em segundo lugar, porque a relação de causa e efeito entre Tailândia e Brasil pode ser muito mais singela: se a crise na Ásia prolongar-se, impondo perdas crescentes aos aplicadores estrangeiros, haverá naturalmente uma diminuição de fluxos para países emergentes, sejam seus padrões de política econômica parecidos ou não com os asiáticos. E qual país está com a bocarra arreganhada, babando por US$ 80 bilhões, entre financiamentos e rolagens, daqui até o final do primeiro reinado de FHC? Exatamente, o Brasil da "travessia" e que não deveria ser exposto a um aperto de liquidez internacional, dada a alta vulnerabilidade imposta por sua colossal (e transitória, segundo o governo) necessidade de financiamento externo.
Em terceiro lugar, porque a valorização apresentada por nossas Bolsas de Valores nos últimos tempos tinha embutido ganhos potenciais para praticamente todos os aplicadores, quando se iniciou a crise asiática. Detonado com base no segundo princípio bursátil do guru Capez ("lucro nunca deu prejuízo a ninguém"), o movimento de venda foi-se retroalimentando, gerando uma queda maior do que a da própria Bolsa tailandesa.
É claro que o ministro-sombra do presidente declarar, no auge da histeria do mercado, que Gustavo Franco comprovou-se errado jogou TNT na fogueira; afinal, Motta teve quatro anos para chegar a essa constatação e tinha que externá-la no único dia em que era necessário transmitir que há tranquilidade e monolitismo no governo quanto à política cambial.
Há semelhança com a crise do México? Não, porque nem o mais pessimista dos brasileiros imagina que do episódio possa resultar o colapso das contas externas brasileiras. O que se discute é se haverá um ataque ao real. E, se houver, a questão seguinte é de quanto seria a desvalorização resultante.
E do que depende a ocorrência de uma pressão por trocar reais por dólares?
Internamente, da rapidez com que se estancará a queda na Bolsa. Todos sabemos que os mercados alavancados são intrinsecamente explosivos: a queda hoje induz mais queda amanhã, pois vende-se a qualquer preço para gerar o caixa necessário à cobertura de prejuízos. No nosso caso, se o pequeno investidor não entender bem o que está acontecendo e sacar com perdas monumentais, o investidor estrangeiro irá junto, provocando a contaminação do mercado de ações para uma corrida cambial.
Externamente, quanto antes as moedas asiáticas se estabilizarem, melhor. Uma semana de serenidade lá fora transformaria a questão em debate local, mais fácil de ser administrado. Sem esquecer que, louvado seja Ele, tudo isso está acontecendo com as Bolsas do Primeiro Mundo batendo recordes de rentabilidade. Imagine se lá também prevalecesse a insegurança...
Dar probabilidades a esses eventos é leviandade. O que se pode assegurar é que a desconfiança em relação à sustentabilidade da política cambial atual cresceu irreparavelmente e que os fundamentos das Bolsas de Valores estão mais favoráveis ainda: quem comprar Telebrás a R$ 140 por ação vai dar gargalhadas em um ano, mas sob o risco de antes chorar sangue, ao vê-la abaixo do valor atual.

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