São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 1997
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A regulação da aviação civil

LUÍS NASSIF

A questão TAM obriga uma avaliação profunda sobre os sistemas de regulação da aviação comercial brasileira.
O início de desregulação permitiu maior competição, uma ampliação da oferta e um padrão de respeito pelo consumidor que não existia antes na aviação civil. A TAM foi a empresa que mais ganhou com esse jogo. Por outro lado, seus concorrentes alegam que ela consegue qualidade e rentabilidade à custa de sacrifício da segurança.
Tirando as manipulações claras -como o relatório do tal "escritório especializado", que tinha 11 dias de vida, ou a tentativa de classificar como falha estrutural uma bomba-, as ressalvas contra a TAM são de duas ordens: as fantasiosas e as que podem ser consistentes.
Entre as fantasiosas, pratica-se muito a chamada "falácia do uso da competência". Significa mais ou menos o seguinte: o esforço que a companhia despende para pequenos detalhes de atendimento ao público significa energias que poderiam ser melhor aplicadas na manutenção. Como se competência fosse bem finito, que se gastasse pelo uso, e não uma cultura, que se espalhasse pelo exemplo. Seria correto, aliás, se as aeromoças, depois dos vôos, virassem auxiliares de mecânicos.
Aviões sem manutenção são aviões que entram frequentemente em pane, que ficam parados em aeroportos aguardando a chegada de peças, que obrigam o atraso ou o cancelamento de vôos.
Sem esses requisitos básicos de eficiência, não existem sorrisos e balinhas que salvem a imagem de uma empresa.
Lucro e eficiência
A segunda falácia é a de que quem lucra muito necessariamente está sonegando algum item fundamental de despesa. É raciocínio que reduz toda a complexidade aeronáutica a dois itens: tripulação e mecânicos.
Onde entram gestão financeira, estrutura administrativa, estrutura de capital (todas as empresas geraram passivos violentos, após os desastres pós-Cruzado), contratos com fornecedores, distribuição de linhas, logística para a integração de linhas e assim por diante? E onde entra o fato de as companhias brasileiras -a TAM em particular- cobrarem tarifas imensamente superiores às tarifas internacionais?
Com essas tarifas, o normal deveria ser o lucro, não o prejuízo.
Dúvidas sem certezas
Significa que a TAM é uma companhia segura? Não sei. O fato de as críticas serem inconsistentes não é garantia de que a companhia seja segura. E o drama reside nisso.
Um diretor da Associação dos Pilotos da Varig, por exemplo, encaminha carta com as seguintes considerações:
1) a TAM exporia sua tripulação a cargas de trabalho incompatíveis com o manual "Homologação e Operação de Empresas de Transporte Aéreo Público Operando Grandes Aviões" (RBHA-121);
2) para não atrasar vôos, a TAM exporia seus aviões a pousos e decolagens em condições temerárias, descumprindo normas da Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo do Ministério da Aeronáutica.
É possível que os manuais reflitam direitos conquistados dos tripulantes, em um período de mercado fechado, no qual a tarifa sempre cobria os custos. Como é possível que se baseiem em normas de segurança efetiva, cujo descumprimento signifique política temerária por parte da companhia.
Nova estrutura
Vai-se ficar numa briga de "achismos" se não se chegar ao cerne da questão -abordado na carta remetida.
Após um período de liberalização total do setor, o governo americano passou a agir pesadamente na fiscalização das companhias e na garantia de segurança aos vôos. "Infelizmente, nosso Ministério da Aeronáutica, que, a um só tempo, legisla, regula, fiscaliza (inclusive a si mesmo), concede, controla o tráfego, previne e investiga acidentes (inclusive aqueles causados pelos seus próprios erros), não chega aos pés da bonita estrutura múltipla e independente do FAA e do NTSB americanos", conclui a carta.
Aqui nem se liberou nem existem controles adequados. Não há um indicador confiável, transparente e público, que permita a nós -pobres mortais, jogados a 10 mil metros de altura- sabermos a quem estamos confiando nossas vidas.
Não há uma organização reguladora moderna que garanta, simultaneamente, a busca da competição e da qualidade e a segurança dos vôos.
Até agora, o governo demorou muito em mexer nesse vespeiro, dada a soma de interesses que se consolidaram nas últimas cinco décadas.
Está na hora de se tirar dos gabinetes e trazer a público a discussão sobre o novo modelo de regulação do setor.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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