São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 1997
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Tailândia e Molière

ANTONIO DELFIM NETTO

Os que se aventurarem a falar sobre o problema da Tailândia têm que precaver-se. O elegante e culto ministro Malan pode facilmente classificá-los como "aquele personagem de Molière".
Provavelmente refere-se ao célebre Argan, da comédia "Le Malade Imaginaire", um hipocondríaco que assimilava os efeitos de todas as doenças e não podia viver sem um médico ao seu lado, a ponto de querer casar sua filha Angélique com o jovem sem caráter Dr. Diafoirus, apenas para tê-lo à mão.
Os economistas que apontarem a Tailândia como um caso a ser observado seriam portadores da síndrome de Argan, imaginando que tudo o que acontece no mundo tem que necessariamente ocorrer no Brasil. É possível. Mas há controvérsia.
O caso da Tailândia tem um certo interesse porque o Banco Mundial publicou no segundo semestre de 1996 um livro, "O Milagre Macroeconômico Tailandês", altamente encomioso à política macroeconômica do país e que nem de longe via problemas com o baht.
De 1950 até 1984 o baht (a moeda tailandesa) esteve estritamente ligado ao dólar. De 1984 até agora teve uma flutuação administrada, mas quase constante (banda de flutuação de mais ou menos 1%). Entre 1950 e 1985, contavam-se quatro desvalorizações: 1,1% (em maio de 1981); 8,7% (em julho de 1981); 14,9% (em novembro de 1984) e, finalmente, 1,9% (em dezembro de 1985). À página 205 diz o livro que "desvalorizações na Tailândia significando desvalorização com relação ao dólar são vistas como uma capitulação à inflação".
O livro termina com um parágrafo curioso: "Um milagre é uma coisa extraordinária, benéfica e inexplicável.
O experimento tailandês de crescimento com estabilidade é miraculoso nos primeiros dois sentidos, mas não no terceiro. Não existe nada particularmente brilhante, clarividente ou misterioso sobre a forma pela qual a Tailândia ajustou-se às mudanças circunstanciais: não há nada que outras nações em desenvolvimento não possam copiar ou mesmo aperfeiçoar, se assim o desejarem".
Hoje, apenas seis meses depois, os "memorandos confidenciais" dos mesmos burocratas afirmam que "com déficits em conta corrente de 8% do PIB, uma dependência perigosa de créditos de curto prazo e com problemas não resolvidos por governos corruptos, o país encontra sérios problemas...".
A famosa "The Economist", que há poucos meses dava uma lição ao mundo dizendo que a desvalorização não funciona, nos informa agora que "A débâcle do baht foi o resultado de muitos equívocos. Manteve-se por muito tempo a taxa de câmbio fixada..." (12 de julho, pág. 17).
A crise da Tailândia nos ensina mais uma vez que a mãe de todos os fundamentais é a taxa de crescimento das exportações, que depois de crescerem espetacularmente durante anos caíram 2% em 1996. O déficit público e o déficit em conta corrente são importantes, mas são coadjuvantes.
Enquanto as exportações cresciam (não havia déficit público), o déficit em conta corrente (8% do PIB) era aceitável, principalmente porque estava financiando investimentos. Monsieur Argan talvez tenha alguma razão...

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