São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 1997
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O príncipe e o anão

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Compreendo, mas não participo do assanhamento provocado pela entrevista de Sérgio Motta. Encaro suas declarações com o mesmo enfado com que leio sobre o vestido que dona Ruth usou em tal festa ou sobre o cardápio servido no jantar que FHC ofereceu a Maluf.
Nada foi dito de novo. A entrevista em si podia ser considerada como um fato novo se não fosse velha. Todos sabemos o que Sérgio Motta pensa. É mais ou menos o que todo mundo pensa. Somente ele pode dizer porque, como já observei aqui há mais de dois meses, é indemissível. Se afundar atirando, não sobrará pedra sobre pedra deste governo que compra votos para se perpetuar no poder.
Sérgio Motta é indemissível não pelas suas qualidades técnicas ou políticas. Ele foi e continua sendo o tesoureiro dos 20 anos do atual reinado. É um clone do PC Farias -ainda que não seja ladrão como o finado tesoureiro de Collor.
Pãr Lagerkvist, Prêmio Nobel de Literatura, tem um romance que explica a relação entre o príncipe e seu anão. O anão faz exatamente o que o príncipe deseja, mas por isso ou aquilo não pode fazer.
Num banquete que o príncipe oferece a um outro príncipe, o anão envenena a comida de todos os amigos do rival, inclusive a do próprio rival.
Há estupor nas cortes vizinhas. Como um príncipe tão sábio e cordial podia tolerar a traição e o assassinato dos rivais? (o modelo de Lagerkvist é uma mistura de Médici, o Magnífico, e Francisco 1º.) A solução adotada pelo príncipe foi repreender o anão e trancafiá-lo na masmorra mais sórdida do castelo.
O anão escreve o seu diário. Nem está aí para a crise que provocou. Sabe que cumpriu uma ordem não recebida. Que mais uma vez funcionou a favor do príncipe. E termina seu diário dizendo que será recuperado: "Logo virão buscar-me porque nenhum príncipe pode passar muito tempo sem o seu anão".

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