São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um desvio inesperado

JANIO DE FREITAS

Enquanto alguns governadores, com destaque lastimável para o gaúcho Antônio Britto, mais adotam modos de acirrar do que enfraquecer as situações conflituosas em seus Estados, uma reunião a que ninguém cá fora atribuiu importância resultou no que seria a lição mais proveitosa para o momento atual e para o futuro já de sombras. Seria, caso merecesse atenção dos governantes e dos incitadores do conservadorismo radical -os economistas e os meios de comunicação.
Foi encontro que dois representantes do governo (o presidente do Incra, Milton Seligman, e secretário-executivo da Fazenda, Pedro Parente) tiveram com José Rainha e outros, para tratar de uma pauta de propostas dos sem-terra. Pela primeira vez, o governo considerou as sugestões sem preconceitos, sem os chiliques do poder e sem idéia troglodita de que é preciso exibir sempre sua vitória.
As propostas do MST não continham novidades. Apenas refletiam o necessário para que um lote a título de reforma agrária não se destine só para o enterro da família. Redução dos juros do empréstimo de 12% para 4%, prorrogação dos vencimentos de dívidas, limite mais alto para os empréstimos, atendimento prioritário às famílias em acampamentos precários -coisas assim. Ouvidas, foram estudadas e, com uns poucos ajustes, tidas como de fato necessárias e viáveis (com uma só recusa).
Nada foi formalizado, nem era ainda a ocasião disso. Mas o governo lucrou, com as medidas que tornarão mais resultante o seu gasto e, ainda, com a disposição do MST de rediscutir as invasões de escritórios do Incra já programadas. E o MST, por sua vez, teve aceitas várias medidas que interessam ao seu objetivo.
Mesmo que não seja em proporções ideais, o entendimento é possível em quase todas as divergências entre aspirações sociais e administração pública. Na mesma medida, preterir as necessidades sociais de modo absoluto, como pregam os economistas conservadores e os governos sob sua orientação, nunca deixou de acabar em situações conflituosas, tantas delas com a tragédia como desfecho.
Mas a preocupação real do governo, lê-se e ouve-se, é a adesão dos sem-terra às PMs insurgentes. Notícias e análises já se empanturram de especulações. Não há, por isso, interesse pelas palavras do próprio coordenador do MST, João Pedro Stédile: "Não há relação nossa com os policiais, nem queremos junção com eles. Damos nossa solidariedade porque manifestação contra salários baixos é justa e nós apoiamos todas as categorias que tenham causas justas, mesmo que em outras ocasiões não aceitemos seu comportamento. Espero que a solidariedade ajude a diminuir a violência contra os colonos, porque, sabemos muito bem, assim que obtenham os aumentos os policiais, sem consciência social, voltam a cumprir ordens contra os sem-terra".
Vê-se que alguns aprendem as lições da vida.

Texto Anterior: Protesto em 16 Estados pode reunir 70 mil pessoas
Próximo Texto: Manifestação pode ser a maior contra governo FHC
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.