São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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Declarações de secretário são caso de polícia

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Nem mesmo o escritor Jonathan Swift conseguiu ser mais contundente. Para protestar contra a exploração da mão-de-obra infantil nas minas de carvão da Grã-Bretanha vitoriana, o criador de Gulliver publicou nos jornais da época uma receita de lamber os beiços: criança assada. Gerou o maior forrobodó.
Swift só queria mostrar que assar crianças feito porcos é tão cruel quanto submetê-las a trabalhos forçados.
Já o secretário das Administrações Regionais, Alfredo Mário Savelli, falou sério, na quarta, ao comentar a situação dos camelôs da Paulista.
Disse ele: "Não existe espaço na cidade para as pessoas sem qualificação profissional. (...) A mudança é necessária para a melhoria da qualidade de vida e para a própria sobrevivência dessas pessoas." Faço questão de transcrever novamente neste jornal as insânias proferidas pelo secretário: "Eles estão prejudicando a cidade destinada a ser a capital do Mercosul. (...) Da mesma forma que vieram para cá quando a cidade oferecia oportunidades, eles precisam perceber que elas não existem mais. Deveriam voltar para suas cidades. Os menos instruídos deveriam ir para cidades menores, como Fortaleza, ou para o interior do Estado e para o sul de Minas. É duro falar isso. Mas, como secretário, sou um observador privilegiado e posso recomendar que mudem daqui porque o perfil econômico mudou".
"Observador privilegiado"? "Recomendar que mudem"? Pois, como paulistana e pagadora de impostos, caro secretário, eu não lhe dou o direito de se manifestar em nome da minha cidade. Sei que, lamentavelmente, se fosse feita uma pesquisa para avaliar o que a população achou de seus abjetos comentários, descobriríamos que boa parte dos paulistanos pensa, ou melhor, defeca idéias asquerosas como as suas. Mas que uma autoridade tenha a empáfia de vir a público para fomentar o preconceito contra os nordestinos e os menos privilegiados, para mim, é caso de polícia.
Alô, prefeito Pitta! Tudo bem. Que o senhor é o pior prefeito que a cidade já elegeu, a gente sabia. Mas precisava piorar sua inexpressiva atuação dando de Pilatos ao distribuir uma nota dizendo que as declarações do secretário "não refletem o pensamento da prefeitura"? Tenha brios, homem! Bote esse Goebbels na rua já!

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