São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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Brigada dos 'sem-qualquer-coisa' vai às ruas protestar contra tudo

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Articulado por sem-terra, sem-teto e sem-emprego, o ato "Abra o Olho, Brasil", em São Paulo, acabou atraindo todo tipo de gente, uma espécie de brigada dos "sem-qualquer-coisa", formada por militantes gays, ativistas punks, office-boys, desocupados, estudantes em férias e, até, ciclistas em treinamento.
Sem organização e sem coesão, os minúsculos grupos de pressão se espalharam pela avenida Paulista, gritando seus slogans e suas rimas para quem quisesse ouvir.
"Somos os sem-direito-a-amar", explicava José Roberto Torres de Miranda, secretário-geral-adjunto da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis.
Ao lado de dois militantes, Miranda protestava contra a discriminação sofrida por homossexuais e defendia a aprovação, pelo Congresso, do projeto que prevê a parceria civil entre gays.
Livre dos carros, proibidos de trafegar, e com muito menos manifestantes do que o esperado, a avenida Paulista servia, à tarde, de pista de treinamento para o ciclista Cosme Pereira dos Santos.
"Sou um sem-ciclovia. Já fui atropelado quatro vezes nas ruas de São Paulo porque não tenho onde treinar. Deveria haver ciclovias nas principais avenidas da cidade", reclamava Santos, que ganha a vida como ciclista.
Caça ao sem-terra
Entre os muitos integrantes da brigada dos "sem-qualquer-coisa", o músico Emerson Pinzindin chamava a atenção por se declarar um sem-justiça e ter a coragem de estar querendo brigar justamente com um dos protagonistas do ato.
"Estou aqui procurando o segurança do MST que me agrediu com uma barra de ferro na última passeata dos sem-terra em São Paulo. Apanhei pelas costas, por puro preconceito racial", disse o músico, negro, exibindo uma marca na cabeça, escondida pelas tranças.
"A imagem do MST ficou queimada depois dessa história. Vi que eles vivem, não a luta de classes, mas uma luta de egos", acrescentou Pinzindin.
Realizado em meio às férias escolares, o ato de ontem acabou levando à Paulista uma meia dúzia de alunos de escolas particulares, alguns até mobilizados por seus pais, como Juliana Urasaki, 13, aluna da 7ª série do colégio Equipe.
"Somos as sem-férias", reclamava, rindo, Juliana, levada à passeata pela mãe, enquanto distribuía panfletos aos pedestres.
Juliana disse que estava achando "bem engraçado" participar da passeata, muito mais do que ir ao shopping ou ao cinema.
Colega de panfletagem de Juliana, Natália Caruso Ribeiro, 13, do colégio Bandeirantes, acrescentou: "Tudo bem: ir ao Playcenter seria bem mais legal que estar aqui. Mas no shopping eu já fui a semana inteira. Chega, né?".
Falta do que fazer
Entre os muitos office-boys que observavam a passeata passar, Cleber Mota e dois amigos tentavam, sem sucesso, travar contato com alguma militante sem-teto.
"Faço parte do grupo dos sem-ter-o-que-fazer e também dos sem-ter-vergonha-de-te-dizer-isso", ria Mota.
Com igual humor e sem inibição alguma, o estudante de administração Tiago de Mello acompanhava o ato sem camisa e com uma meia melancia enterrada na cabeça, como se fosse um chapéu.
"Sou um sem-vergonha-na-cara", dizia Mello, segurando uma faixa de apoio à música popular brasileira. Na verdade, o estudante estava disputando um carro, oferecido em concurso por uma rádio, a quem conseguir chamar mais atenção em favor da MPB.
Perto dali, o ativista punk Mingau (ele só revela o seu nome de guerra), do movimento punk de Guaianazes (zona leste), declarava-se um "sem-nada". "Não tenho nada, absolutamente nada. Estou aqui lutando pelos meus ideais, contra o voto obrigatório e o serviço militar obrigatório".

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