São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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Aposentadoria e pensão

OCTAVIO BUENO MAGANO

Parafraseando Rui Barbosa, diria eu que "qualificar desfavoravelmente uma opinião nunca foi menosprezar os que a professam". ("Obras Completas", vol. 26, tomo 3º, pág. 236). Com todo o respeito devido ao senhor presidente da República, estou convencido, no entanto, de que cometeu grave desacerto, ao, sob o influxo das emanações sensoriais da praça pública, alterar texto de medida provisória que havia passado pelo crivo da reflexão do senhor ministro da Previdência e pelo seu próprio.
O texto em causa é o da medida provisória nº 1.523-9, de 28/6/97, que, acrescentando um item ao artigo 124 da lei nº 8.213/90 (Lei sobre Benefícios da Previdência Social), proibiu o acúmulo de pensão por morte com a aposentadoria, ressalvado o direito de opção pelo benefício mais vantajoso.
A proibição de acúmulo não se ressentia de qualquer vício.
Não se diga que era contrária à previsão do artigo 201 da Constituição, porque nesse preceito apenas se arrolam as prestações a serem prodigalizadas pela previdência.
Nem se poderia vislumbrar violação ao artigo 202, porque a remissão que o artigo 201, 5º, faz ao dito preceito se dá apenas para ficar claro que a pensão, tanto quanto a aposentadoria, devem ser calculadas sobre a média dos 36 últimos salários de contribuição.
A proibição em tela mostrava-se igualmente invulnerável ao argumento de que, na área da Previdência Social, existe sinalagma entre contribuições e prestações. A tanto equivaleria a suposição de que as contribuições dos segurados deveriam ter como contrapartida necessária todos os benefícios previstos em lei, durante o período de contribuições.
Tal argumento só teria prestância diante de sistema de seguro privado, a que é inerente a correlação entre prêmio e prestação. A Previdência Social baseia-se em concepção completamente diversa, ou seja, na de que a população ativa deve assegurar a subsistência da inativa.
De acordo com isso, pode ser ela definida como instituição que, baseada na solidariedade humana, tem por fim assegurar a renda do trabalhador quando esta estiver extinta ou diminuída, em virtude de um risco social, tal como o da morte, o da doença, o da velhice etc.
De acordo com a concepção exposta, se o segundo já se encontra protegido com uma prestação, tal como a da aposentadoria, não se justifica que venha a ser aquinhoado com outra.
A proibição de acúmulo de prestações tanto melhor se explicava ante a situação deficitária da Previdência Social brasileira, o que implica gigantescos rombos orçamentários e ameaça seríssima à estabilidade econômico-financeira do país. E mais plausível se mostrava ante a ressalva expressa de que não teria efeito retroativo, ficando, ao contrário, assegurado o direito adquirido daqueles que já vinham acumulando os dois benefícios.
Por outro lado, é preciso considerar que, se a legislação anterior já vedava a concessão, pela Previdência Social, de mais de uma aposentadoria, tanto quanto a soma destas com auxílio-doença ou abono de permanência em serviço, estava implícito, na lógica do sistema, que deveria igualmente proibir o acúmulo de aposentadoria com pensão.
De tudo resulta que, no caso vertente, o senhor presidente da República, em vez de se guiar pelos critérios objetivos da reflexão, deixou-se envolver pela onda dos que se moldam pelo Sigismundo, aquele personagem criado por Calderón de la Barca, que costumava dizer: "Nada me parece justo en siendo contra mi gusto."

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