São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997 |
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Capitalismo ainda é única via, diz Fukuyama
DIJANA SULIC; WERONIKA ZARACHOWICZ
Há oito anos, o cientista político norte-americano Francis Fukuyama decretou o fim da história. Desde então, o mundo atravessou conflitos étnicos e religiosos; Estados Unidos e Iraque se enfrentaram na Guerra do Golfo; a China reforçou sua posição de grande potência; os regimes socialistas do Leste Europeu desapareceram; a União Soviética pulverizou-se. Fukuyama, funcionário do Departamento do Estado dos EUA, olha para acontecimentos como esses e diz que sua tese está correta. Para ele, só há lugar para uma ideologia dominante: a democracia liberal e a economia capitalista ainda não têm concorrentes. Na entrevista a seguir, Fukuyama defende a idéia de que sociedades modernas tendem a adotar a democracia em estilo ocidental. * Pergunta - Seu livro "The End of History and the Last Man" ("O Fim da História e o Último Homem") foi lançado em 1992. O sr. afirmava que a democracia capitalista é a forma final da liberdade, levando a história ao fim. Desde então, suas idéias a respeito disso mudaram? Francis Fukuyama - Nada que aconteceu nos últimos cinco anos me levou a mudar de idéia. Muitos me entenderam mal. Ainda é verdade que não existe alternativa à democracia liberal ou ao sistema econômico capitalista global. Pergunta - Como o sr. explica o paradoxo de que, com o fim da história, a própria opinião pública ocidental esteja tecendo críticas internas ao capitalismo? Fukuyama - Eu nunca argumentei que não haveria problemas. A questão é: existem alternativas sistemáticas grandes, ou é possível reordenar as principais instituições da sociedade capitalista moderna? Nenhum crítico sugeriu idéias para tomar o lugar dos mercados e do voto democrático. Pergunta - Como o capitalismo vai resolver os grandes problemas de nossa época -ambientalismo, polarização social e desemprego? Fukuyama - O capitalismo não é uma solução para todos os males sociais e espirituais humanos. É um sistema produtor de riqueza. Não sei como o capitalismo vai lidar com esses problemas; talvez não consiga resolvê-los. Mas não enxergo um sistema concorrente que não geraria mais problemas do que os que poderia resolver. Pergunta - E os outros modelos -por exemplo o chinês? Fukuyama - Poucas pessoas adotariam a China como modelo de desenvolvimento. Há uma forte correlação entre desenvolvimento econômico e democracia. O sistema político chinês está frágil. Eu ficarei surpreso se, em 15 anos, a China continuar tendo um sistema político digno de crédito. Hoje, ela é governada por um Partido Comunista autoritário com pouca legitimidade, que é corrupto e visto como obstáculo à modernização. Pergunta - Nesse contexto, que futuro terá Hong Kong? Fukuyama - Nunca vi Hong Kong com grande otimismo. As oportunidades e tentações para a China interferir em Hong Kong serão muito grandes. As autoridades políticas de Pequim não têm razão para atrapalhar o desenvolvimento de Hong Kong. Mas o sistema político chinês é tão descentralizado que pessoas em outros escalões do governo podem querer permitir a prática de suborno ou elevar taxas. Isso será inevitável se o regime chinês não mudar. Pergunta - Muitos acreditam que o próximo inimigo do Ocidente será a China. O que o sr. acha? Fukuyama - É inteiramente possível, se a China continuar sendo um Estado autoritário. Mas acho que haverá pressões socioeconômicas em direção à democracia. Mas um possível conflito de superpotências, entre a China e os EUA, não seria um conflito ideológico, mas um de interesses nacionais, ao estilo do século 19. Pergunta - Esse é o único tipo de conflito que o sr. prevê no futuro? Fukuyama - Podem ocorrer conflitos de toda espécie. Não prevejo a ocorrência de conflitos entre democracias liberais estáveis e bem firmadas. A idéia de que o Canadá e os EUA possam entrar em guerra é tão improvável que se torna risível. Poderemos ter competição econômica e disputas políticas em torno de diversas questões, mas não conflitos militares. Pergunta - A teoria do conflito de civilizações proposta por Samuel Huntington afirma que os principais conflitos futuros serão provocados por diferenças culturais e religiosas entre povos. O sr. poderia comentar essa tese? Fukuyama - Huntington foi meu professor, mas acho que está completamente errado. Ele traça divisões entre entidades culturais muito grandes, como o Ocidente ou o Islã. Não são entidades políticas que possuem significado. Os atores principais ainda são os Estados-nações organizados. Na verdade, as unidades culturais importantes serão unidades subnacionais menores, como os nacionalistas escoceses, ou grupos étnicos, como em Ruanda ou no Zaire. A outra objeção que faço à tese de Huntington é sua idéia de que a modernização e a ocidentalização são processos separados. A modernização econômica não pode acontecer sem que haja ocidentalização. As evidências sugerem que, à medida que as sociedades se modernizam economicamente, elas convergem em termos de instituições políticas. Assim, a democracia torna-se um nível mais alto de desenvolvimento. Pergunta - Como sua teoria do fim da história vê o nacionalismo de hoje, a força política mais temível do século? Fukuyama - Temos uma intensificação do nacionalismo na ex-União Soviética e em partes da Europa do leste devido a uma transição difícil de uma sociedade rural a uma sociedade principalmente urbana e industrializada. Houve reações exageradas a essas manifestações de nacionalismo. Entre os ex-comunistas, após se reduzir o poder do Estado, surgiram demandas sociais por reconhecimento nacional, antes reprimidas. Essa também é a explicação provável do crescimento do fundamentalismo islâmico. Quando a transição para a economia global se dá rapidamente, os problemas com o nacionalismo são menores. Na Hungria e na Polônia, o sentimento nacionalista se acalmou. Suas populações centram suas atenções no desenvolvimento econômico e num tipo de sociedade européia global. O problema da transição já acabou. Pergunta - Então não há risco de o nacionalismo gerar outros conflitos, numa base mais ampla? Fukuyama - Os conflitos vão continuar surgindo. A questão é se esse é o caminho da sociedade moderna, e a resposta é, claramente, "não". Ninguém vai seguir o exemplo da Sérvia. As sociedades modernas possuem, sim, formas de nacionalismo, como os nacionalistas escoceses, os bascos ou os do Québec, no Canadá -mas essas aceitam a premissa do fim da história. Os separatistas do Québec não querem instaurar um Estado proletário, não democrático ou antidemocrático. Eles pretendem continuar integrando o Nafta, a OCDE e o mundo econômico moderno. Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Deputado vê 'assalto' a contas na Suíça Próximo Texto: 'França toma rumo oposto ao necessário' Índice |
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