São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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Secretária pede que sociedade pressione por 1º grau melhor

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A secretária estadual da Educação de São Paulo, Rose Neubauer, 52, quer que a sociedade e o Ministério Público se unam a ela na pressão para que os municípios gastem 15% de sua receita no ensino de 1º grau.
A porcentagem foi aprovada pelo Congresso no ano passado, quando se criou o fundão -o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério-, que deve entrar em vigor na virada do ano.
Com mais três semestres letivos de gestão pela frente, Neubauer diz que não será possível concluir sua principal intervenção na rede de 6,5 milhões de alunos -a chamada "reorganização das escola".
O problema é que a reorganização prevê que os alunos de 1ª à 4ª série estudem em prédios separados dos de 5ª à 8ª, mas 121 municípios, dos 650 do Estado, só têm uma escola de 1º grau.
A seguir, trechos da entrevista com a secretária, que na última quinta-feira também falou à Folha sobre municipalização e reforma no 2º grau.
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Folha - Termina este ano a reorganização das escolas?
Rose Neubauer - Não. Nós temos 121 municípios com uma única escola, que dificilmente vamos reorganizar. Se no futuro esses municípios absorverem nas suas pré-escolas as crianças de 1ª à 4ª série, conseguiremos ficar com uma escola reorganizada de 5ª à 8ª.
Hoje, como aquela única escola foi construída em um modelo maior, com crianças de 1ª à 4ª série e de 5ª à 8ª, se tirar da 1ª à 4ª, a escola fica ociosa, e eu sou obrigada a fazer mais um equipamento para atender a essas crianças.
Isso é um ônus que não vale a pena para o Estado. No dia em que eu não tiver mais escolas funcionando em três turnos diurnos, a gente pode até pensar.
Folha - Quantas ainda estão em três turnos (com quatro horas/aula por dia)?
Neubauer - Ainda devo ter uns 10%, 15% da rede (hoje são 555 escolas). Com a reorganização a gente conseguiu colocar muita criança em escolas com dois turnos diurnos (cinco horas diárias).
Folha - E o processo de municipalização, que é um dos componentes básicos da reorganização (prevê que as prefeituras assumam da 1ª à 4ª série)?
Neubauer - No mês que vem, devemos estar ampliando a municipalização para mais 100 municípios, 70 com algum ônus para o Estado e 30 sem nenhum ônus.
Folha - Atualmente a municipalização já atinge quantos?
Neubauer - Quando nós chegamos, tínhamos 75 municípios (com rede de ensino) e hoje nós temos 120. No ano passado nós municipalizamos 46. Agora, vamos passar para 220.
Folha - O fundão (junção das verbas do Estado com as das prefeituras para investimento na educação) faz parte disso?
Neubauer - O fundo vai vigorar a partir do dia 1º de janeiro de 1998. A quantidade de recursos para o 1º grau vai aumentar em no mínimo R$ 1 bilhão.
Folha - Quanto é hoje?
Neubauer - Antes, o Estado gastava no 1º grau R$ 2,6 bilhões, R$ 2,7 bilhões, e agora nós vamos ter R$ 3,8 bilhões no 1º grau.
Folha - Então, os municípios gastavam uma quantia irrisória -porque esse R$ 1 bilhão a mais vem dos municípios, não?
Neubauer - Os municípios não gastavam mais do que uns R$ 300 milhões (no 1º grau). Eles só têm 10% da rede. O único município que gastava mesmo era a capital. O resto é 2%. Então, é óbvio que não gastavam.
E eles vão aplicar R$ 700 milhões no fundo. Mas ainda ficam com uma parcela obrigatória para ser posta no 1º grau.
Então hoje eu acho que se a sociedade realmente acreditasse que a educação é importante, ela estaria ficando absolutamente indignada com qualquer ação contrária a esse investimento no 1º grau.
Folha - A que a sra. se refere?
Neubauer - Eu acho surpreendente quando você ouve e até vê escrita a manifestação de alguns municípios que acham que seria possível não cumprir o fundo em 1º de janeiro de 98 (não investir 15% da receita em educação). Ou bem nós achamos que sem educação básica a população não tem saúde, não tem segurança, ou então você não consegue nunca mudar.
Às vezes as pessoas dizem assim: "Mas os municípios não estavam investindo em algum lugar?" Estavam, mas investiam de forma errada e em algum momento você tem de quebrar o círculo vicioso, para mudar a ordem das coisas.
Folha - Por exemplo?
Neubauer - Por exemplo os municípios do Grande ABC. Eles investiam em parte da pré-escola, e como investiam só nisso eles atendiam parte da população pré-escolar de forma absolutamente elitizada, se você comparar com o que se oferece em educação no Brasil como um todo.
Eu tenho no ABC municípios que pagam R$ 1.600 para professor de pré-escola. Não é muito, mas eu acho que é justo você pagar R$ 1.600 só quando nós pudermos ter todos os nossos professores recebendo R$ 1.600. Nenhum país em desenvolvimento paga isso.
Então, qualquer setor consciente da sociedade deveria estar lutando para que os municípios aplicassem dinheiro no 1º grau.
Folha - Mas, para o fundão dar certo, depende da fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, não?
Neubauer - Agora vai diminuir muito. Porque o fundão vai recolher na fonte. No ano que vem os municípios já não recebem esse dinheiro automaticamente. Só vai lá e retira verba do fundo quem tem aluno.
Ninguém é obrigado a municipalizar um aluno sequer, mas tem município que perde 10% da receita se não se responsabilizar pela educação. E tem município que, se municipalizar, ainda ganha de 15% a 25% de receita.
Quando eu vejo esses artigos, por exemplo, que dizem assim: "Agora o ônus do 1º grau vai ficar para o município", eu acho uma piada. O Estado vai pôr R$ 2,8 bilhões no fundo, de um total de R$ 3,8 bilhões.
Folha - Com essa verba sendo exclusiva para o 1º grau, não ficou mais apertado o dinheiro para o 2º?
Neubauer - Ficou. Mas a grande tranquilidade que nós temos na manutenção do 2º grau é que as nossas escolas de 2º grau são praticamente subsidiadas pelo 1º grau, porque eu uso o mesmo prédio.
Folha - Mas as mudanças propostas pelo MEC para o 2º grau - que exigem uma flexibilização da oferta de disciplinas- não encarecem o 2º grau?
Neubauer - Não muda muito do que já temos em São Paulo. Hoje o meu curso de magistério já é de quatro anos. O meu curso de processamento de dados já é de quatro anos.
O que eu posso fazer hoje é manter em três anos todas as disciplinas básicas e pegar o quarto ano e chamar de pós-segundo grau.
Folha - Mas a idéia é de que os 25% da carga horária optativa do 2º grau sejam nos três anos.
Neubauer - É, mas eu tenho um pedaço, que são as disciplinas optativas, que eu tenho liberdade de fazer o que eu quiser e que eu coloco como iniciação à profissionalização.
Folha - Mas os cursos profissionalizantes não foram "enxugados" com a reorganização?
Neubauer - Não, não mexemos nada no 2º grau. Ao contrário, abrimos escolas de 2º grau. E o supletivo, eu mexi em alguns que eram um horror, repetências contínuas, alunos desaparecendo.
Por outro lado, nós abrimos cem postos de telessalas, que são para atender ao indivíduo que tem dificuldade em organizar sua vida profissional e a vontade de fazer o 2º grau.
Folha - Com televisão se resolve isso?
Neubauer - Mas eu tenho monitores e o aluno tem sua presença controlada. Não é que o aluno recebe o material pelo correio. Ele precisa comprar vídeos, livros.
Folha - Mas não é mais difícil aprender assim, especialmente para uma pessoa que não teve uma boa formação básica?
Neubauer - Hoje o aluno faz todas as provas, passa, e é reprovado por falta. Hoje o aluno liga a televisão, tem o Jacques Cousteau, ele tem os jornais, tem revistas. Tem muita gente que vai aprender independente da escola. Não é isso que estamos tentando fazer na sociedade moderna? Nós não estamos enriquecendo os meios de aprendizagem fora da escola? O importante é que a pessoa saiba o conteúdo.

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