São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Perderemos até 11 anos de aposentadoria

DEMIAN FIOCCA

Quem não puder ficar estudando e tiver que trabalhar desde os 14 anos de idade terá de contribuir para a previdência 11 anos a mais que aquele que só tiver de ganhar a vida aos 25. Mas, encerrando a carreira com o mesmo salário, ambos receberão a mesma aposentadoria -os homens a partir dos 60 e as mulheres após os 55. Esse é o desenho da previdência aprovado na CCJ do Senado: quem começa antes a trabalhar, paga mais.
Para os que já estão no mercado de trabalho, os efeitos da imposição da idade mínima e de sua regra de transição podem ser lidos na tabela ao lado. São gradativamente menores, porém, igualmente violentos. Quem começou a trabalhar aos 14 e iria obter a aposentadoria no próximo ano, terá de esperar mais quatro.
A reforma da previdência também condena milhões de trabalhadores pobres e sem registro em carteira a esperar os 65 anos de idade (ou 60, se mulher) para receber o benefício de um salário mínimo. A expectativa de vida do homem no Nordeste é de 61 anos. Na zona da mata de Alagoas e Pernambuco, não passa de 48. É um bom exemplo de como se constrói a miséria no Brasil.
Vejamos. O déficit do INSS é de cerca de 3,5% da receita. Entre fraudes e sonegação, estima-se que a previdência perde até 50% do que tem a receber. Mesmo assim, os que defendem a retração desses gastos sociais (dentro e fora do governo) com frequência apresentam-na como se fosse uma necessidade matemática.
É verdade que a expectativa de vida tem crescido e que isso eleva lentamente a proporção entre os anos de aposentadoria e os de trabalho. Mas a produtividade e a riqueza do mundo têm crescido mais rápido que a vida média da população.
Tratando-se do Brasil, país com uma das piores distribuições de renda do globo, chega a ser ridículo afirmar que o corte de aposentadorias de R$ 120,00 é o único meio de se obter recursos para ajustar as contas públicas.
Hoje, quem arca com o ônus da informalidade são as empresas que não assinaram a carteira de trabalho ou o Estado, quando não consegue cobrá-las. Com a prevista substituição do critério de tempo de serviço pelo de tempo de contribuição, será o trabalhador informal que ficará sem o benefício até os 65 (60, se mulher).
Suponhamos agora que, ao negar esse direito aos trabalhadores sem carteira, o governo consiga evitar o pagamento de 2 milhões de aposentadorias de salário mínimo (a previdência atende hoje cerca de 17 milhões de segurados, dos quais pouco mais de 12 milhões com o mínimo).
O "custo" em degradação social e aumento da violência seria enorme. Já a economia em reais estaria em aproximadamente R$ 3,1 bilhões ao ano.
Como parâmetro de comparação, basta lembrar que em 1996 o setor público gastou R$ 46,5 bilhões com o pagamento de juros. Para preservar a valorização cambial até pelo menos novembro de 1998, o governo federal está mantendo os juros reais em 14% ao ano. É uma das taxas mais elevadas do mundo. O rico Estado norte-americano paga 3%. O alemão, 2%. O japonês, 1% ao ano.
Em períodos de avanço político do liberalismo, é natural que haja retrocessos na ação redistributiva do Estado. Trata-se afinal de uma velha bandeira conservadora.
Mas não são raros na história os supostos consensos que, depois de seguidos por anos, revelam-se tão claramente equivocados e injustos que causa perplexidade pensar como é que puderam prevalecer. A atual agenda de cortes de gastos públicos nas áreas sociais, em salários e pensões, é séria candidata a uma constrangedora decepção.

Texto Anterior: Dedo no gatilho; Das duas, uma; Perdendo energia; Acertando detalhes; Gerando filhotes; Prevenir acidentes; Loira na Argentina; Na terrinha; Os carros-chefes; Para menores; Marcando a marca; Encurtando distâncias; Trancos e barrancos; Na frente; Dose certa; Ocupando espaço; Só a lei; Apostando na alta
Próximo Texto: Seguros, a descoberta dos pobres
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.