São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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Seguros, a descoberta dos pobres

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Ao longo dos últimos dois anos, a atividade seguradora brasileira experimentou um crescimento vertiginoso, graças à classe média, que, com a estabilidade da moeda e a falência do Estado, principalmente nos campos da saúde pública e Previdência Social, resolveu buscar alternativas para as suas necessidades de qualidade de vida, investindo pesado nos planos de saúde particulares e na previdência privada.
De acordo com o que vinha sendo dito havia tempo por vários especialistas, a estabilidade monetária modificou a visão que a classe média tinha do que era seguro, transformando a noção de que uma apólice era apenas um gasto, uma despesa tola, para a certeza de que, bem feita, ela poderia ser um investimento inteligente, capaz de socorrê-la nos momentos de necessidade.
Dessa forma, já no primeiro ano do Plano Real, o faturamento do setor deu um pulo impressionante, de quase 100% em um único semestre, e as seguradoras puderam, no final de 94, contabilizar um total de prêmios de quase US$ 11 bilhões e lucros inimagináveis por ocasião do fechamento do balanço do primeiro semestre.
Dali para cá, todos os esforços foram no sentido de atender às necessidades cada vez mais sofisticadas dessa camada da população. Uma enorme gama de novos produtos foi lançada, e a concorrência, além de sofisticá-los, obrigou as companhias de seguros a baixarem seus preços, tornando-os acessíveis a uma gama maior de pessoas da classe B, até então marginalizadas do sistema em função do custo das coberturas.
Por conta do modo de vida do público alvo, foram criados produtos sofisticados, em que os diferenciais, além do preço, se manifestam em serviços complementares ao pagamento da indenização.
Hoje, praticamente todas as seguradoras oferecem para os seus segurados assistência 24 horas nos seguros de vida e nos seguros de automóveis, e várias delas acoplam em outros tipos de apólices uma série de serviços complementares, que as tornam mais atraentes, como encanadores nos seguros residenciais ou avaliações de risco em seguros empresariais.
O resultado disso é que o crescimento observado em 94 se manteve, ainda que em menor ritmo, ao longo de 95 e se estabilizou em 96, para, de acordo com os números divulgados pela Susep, se acelerar outra vez nos primeiros quatro meses do ano.
Só que, ao contrário de se acomodarem, como acontecia até uma década atrás, as seguradoras decidiram atacar um novo filão, que até hoje tinha sido desprezado, porque se acreditava que ele não teria condições de comprar seguros.
As classes C e D, desde o começo deste ano, estão na mira de várias companhias, que começam a desenhar e comercializar apólices visando oferecer-lhes cobertura para os seus principais riscos por preços compatíveis com a sua realidade.
É assim que, pela criação de produtos simplificados, que oferecem apenas o essencial, fornecido por redes de serviços limitadas, várias seguradoras em operação no Brasil já estão comercializando seguros de vida, saúde e automóveis com o foco voltado para as camadas mais pobres da população ativamente econômica.
Esses produtos, que, pela sua filosofia, não podem custar caro, precisam ser distribuídos em larga escala, para substituírem pela quantidade a rentabilidade dos produtos mais sofisticados, que proporcionam ao segurador um ganho unitário maior.
Assim, a chave do sucesso dessa ação -que tem tudo para mais do que dar certo, melhorar sobremaneira as condições de vida de uma enorme faixa da população brasileira, que até agora era condenada a ficar nas filas dos SUS e a perder o que tinha cada vez que se via envolvida num sinistro- está nos canais de distribuição desses novos seguros, que precisam custar muito pouco para não onerá-los, inviabilizando um projeto excepcionalmente inteligente e que abre a vida economicamente ativa do país para alguns milhões de pessoas que nunca puderam participar dela, por não terem a retaguarda indispensável para dar o primeiro passo.
É evidente que as seguradoras não estão entrando nesse nicho para perder dinheiro. Elas não estão participando duma aventura gênero "caça ao tesouro". Embasando suas ações existem todos os estudos necessários e as respectivas análises de cada realidade para a quantificação do potencial de cada segmento e do custo máximo de cada apólice.
A questão que se coloca é quem vai comercializar esses produtos, já que, por sua própria natureza, eles são desinteressantes para os corretores de seguros tradicionais, acostumados com margens mais altas de prêmio e de comissionamento.
Para finalizar o artigo, surge outra questão: na medida em que os corretores de seguros têm estruturas caras demais para comercializar produtos mais baratos, como toda essa gama de seguros populares que começam a ser lançados, será que não é hora de regulamentar a figura do agente de seguro, inclusive para proteger esse novo universo de segurados?

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