São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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'Bem-Vindo' mostra inferno 'teen'

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imagine uma versão da história do patinho feio em que o pato, em vez de virar cisne, continuasse feio, mas sobrevivesse mesmo assim.
"Bem-Vindo à Casa de Bonecas" é a história dessa sobrevivência. A adolescente Dawn Wiener (Heather Matarazzo), feia, desengonçada e míope, é enjeitada pela família, desprezada pelos rapazes, hostilizada pelas colegas, humilhada pelos professores.
Situações semelhantes já renderam um clássico do horror, "Carrie, a Estranha", de Brian de Palma, e inumeráveis melodramas.
"Bem-Vindo à Casa de Bonecas" não é uma coisa nem outra. É uma comédia original sobre a crueldade humana, sem distinção de idade, raça ou sexo. Não oferece piedade nem catarse.
Dawn, para começar, não é a coitadinha que sofre em silêncio seu próprio massacre. Ela reage: corta a cabeça da boneca da irmã mimada, afronta as decisões dos pais, dedura colegas etc.
Ela própria é capaz de crueldade: mais de uma vez, rejeita e chama de "bicha" o único menino que se dispõe a ser seu amigo. Na cadeia das relações humanas, há sempre lugar para um elo mais fraco.
É ao mesmo tempo implacável e delicado o olhar que o filme, vencedor do Sundance-96, lança sobre o complexo universo das personalidades em formação.
É um olhar implacável quando enfoca os comportamentos padronizados, os clichês conformistas, como os do irmão mais velho de Dawn, o típico "nerd".
Quando Dawn pergunta ao irmão se tem namorada, ele responde: "Está brincando? Quero entrar numa boa faculdade". Quando ela diz que não quer ir à Disneyworld, ele a repreende: "Ir à Disney pega bem no currículo".
Bem outro é o modo como o filme vê o indivíduo em sua solidão invencível. Os marginalizados são todos vistos com simpatia.
Dawn chega ser bonita nos momentos em que afirma sua individualidade: quando toca Chopin ao piano, quando ameaça martelar a cabeça da irmã, quando fica de castigo por não se curvar à ditadura sorridente da mãe.
Se escapa dos clichês no enredo, "Bem-Vindo..." é inventivo também na linguagem. Os enquadramentos reveladores, a montagem precisa e a engenhosa trilha sonora conferem ao conjunto uma ironia feroz e um ritmo vibrante.
Seu humor é simples e eficaz. Numa cena, a irmã de Dawn dança no quintal dos Wiener, ao som de uma música horrenda e desencontrada. A seguir vemos a banda de garagem do irmão mais velho, que diz aos colegas: "Não está parecendo 'Satisfaction"'.

Filme: Bem-Vindo à Casa de Bonecas
Produção: EUA, 1996, 87 min
Direção: Todd Solondz
Com: Heather Matarazzo, Brendan Sexton Jr., Eric Mabius
Lançamento: Alpha (tel. 011/230-0200)

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