São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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'Marte Ataca!' é tratado pop

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Abafado por bilheterias não muito explosivas, o tratado pop "Marte Ataca!", de Tim Burton, chega ao marcado brasileiro de vídeo sem qualquer alarde. Sem o aval verde dos dólares, ficam-lhe distantes quaisquer tentativas de interpretação de suas intenções.
Assim, "Marte Ataca!" passa despercebido, até agora, como o que ele de fato pretende ser: um manifesto criado por um dos maiores pensadores pop contemporâneos instalados no cinema (os outros devem ser Stanley Kubrick e Terry Gilliam).
A história bubble gum da invasão da Terra por um exército espacial de redondas navezinhas marcianas -a cena de chegada, na abertura, é homenagem explícita/ sarcástica aos balés de "2001", de Kubrick- é pretexto para que Burton exprima o que considera o advento, nos 90, de um novo momento da cultura pós-moderna.
Burton reage ao tempo de citação desenfreada e aleatória reunindo num mesmo cartum signos disparatados -o agente 007 (Pierce Brosnan), o aventureiro de "De Volta para o Futuro" (Michael J. Fox), a marquesa de "Ligações Perigosas" (Glenn Close), o iluminado de Kubrick (Jack Nicholson), o cantor kitsch Tom Jones (interpretado pelo próprio)...
Acontece que nada há de aleatório em seu filme. Burton quer criticar cada procedimento da cultura pop -a mesma que o fermentou, nas obras-primas "Batman" e "Edward Mãos de Tesoura".
Cúmulo de sátira ao artificialismo pop, surgem os marcianos, homenzinhos verdes de olhos de bola de bilhar e cérebro de geleca que cacarejam feito galinhas e só estão aí para se divertirem.
Pode-se pensar: Burton é um humanista disposto a espezinhar o caldo caótico em que se vê mergulhado, fazendo do pop o monstro alienígena que invade a cultura.
Mas vai além: Burton é humanista até em relação ao próprio pop, eleito vilão marciano do filme. Pois não é que a voz estridente de um cantor pop -um Elvis chicano- surge como a arma capaz de dissolver a geleca, ou melhor, de exterminar de vez os cruéis (ou mal-compreendidos) invasores?
É o que Burton tem a pregar: não há mais que fugir do pop, demonizar o tecno contra o "velho e bom" rock'n'roll ou coisas assim.
Não. O pop é o antídoto ao próprio pop -enrosca-se em si próprio e se retroalimenta. Tratado de artificialidade, "Marte Ataca!" é nova obra-prima de Burton e antídoto para seu próprio veneno.
Pura diversão nonsense, casa artificialidade e inteligência e se torna agente do instante em que tudo se tornou tão falso que passou de repente a fazer sentido, em que tudo se tornou tão burro que acabou por incorporar a inteligência. E a Terra segue adiante, a salvo ainda dos perigos do pop, ops, de Marte.

Filme: Marte Ataca! Produção: EUA, 1996, 106 min
Direção: Tim Burton
Com: Jack Nicholson, Glenn Close, Annette Bening, Sarah Jessica Parker e outros Lançamento: Warner (011/820-6777)

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