São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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José Zaragoza troca comercial por longa

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O publicitário e artista plástico José Zaragoza prepara-se para estrear em setembro, aos 66 anos, na direção de um longa-metragem.
Com o título provisório de "Até que a Vida nos Separe", ele diz que será um filme para retribuir com imagens o amor que sente "pela vitalidade de São Paulo e sua gente".
A narrativa pretende mostrar que a amizade é a única recompensa para quem vive numa cidade impessoal e violenta como São Paulo.
A visão do artista plástico diluirá a poluição visual e a anarquia conceitual da cidade. E é do confronto entre cores e mensagens que o publicitário pretende extrair o que ele chama de "uma beleza contagiante".
Ele garante que o longa será também a base de uma boa lição de merchandising para o cinema.
"A mensagem deve gratificar o cidadão e não o cliente que paga o comercial", pensa o publicitário da agência DPZ. "Não sou nada culpado por isso (a poluição visual da cidade) que está aí", se defende.
E na sua defesa de princípios, Zaragoza tem ido ao encontro de presidentes de empresas cujos produtos quer incluir na história, "com a importância de um arquétipo da modernidade, que traduza estilo, status e preferência". "Como o filme é urbano, humano e cotidiano, é natural que os personagens optem por marcas", conclui. É como se agora personagens de comerciais pudessem finalmente provar que podem ter sentimentos.
Storyboard
O primeiro resultado prático da produção orçada em R$ 4,6 milhões, que quer também Cristina Reale e Catherine Deneuve no elenco, é o acúmulo de 1.800 desenhos que forram as paredes do amplo estúdio de José Zarazoga no bairro do Itaim: um storyboard com a ação completa do filme, que escreveu a quatro mãos com Leopoldo Serran.
Antes do filme pronto, o artista plástico Zaragoza já terá definido o circuito das galerias que vão expor o roteiro desenhado.
Zaragoza diz estar gostando da experiência de sentir na pele as dificuldades de buscar patrocínio valendo-se das leis de incentivo fiscal. "Ao mesmo tempo em que sinto certo desgaste de me expor, estou aprendendo com os empresários como é importante o marketing cultural. Sinto que há um interesse crescente por parte deles e que já existe uma consciência social a favor da questão."
Sutilezas
O elenco está fechado com Alexandre Borges, Júlia Lemertz, Betti Gofman, Maurício Vinícius, Selton Melo e Norton Nascimento. Flanando na intimidade dos personagens -amigos executivos em crise existencial, marcados por prazeres, tristeza e solidão-, ele promete sutilezas bem-humoradas de merchandising.
Uma delas terá um curativo de emergência feito com absorvente feminino. Os vôos rasantes de helicóptero sobre edifícios "devoradores e brilhantes" também não irão poupar citações.
"Em alguns pontos da cidade hoje é praticamente impossível dissociar marcas de paisagens", observa Zaragoza.
Neste afresco de pós-modernidade também não faltarão gestos e citações que marcaram a história do cinema. Como o jeito de Louise Brooks fumar um cigarro, Bette Davis furiosa em "A Malvada" ou Rita Hayworth misteriosa em "A Dama de Xangai".
Mas é a grife Almodovar que irá orientar o comportamento geral dos personagens. "Mais do que comportamento, podemos falar em mutirão", define Zaragoza. "Como na realidade da cidade, é o conceito de mutirão que aproxima as pessoas e as afasta da solidão. Não vai ser diferente no filme", garante.
Pintor de fachadas
O cinema e a pintura estão na origem mais primitiva da formação artística do jovem Zaragoza, que até 1952 sobrevivia pintando fachadas das estréias de cinemas em Barcelona.
Foi um incidente com um dono de cinema que o desencantou com a carreira de pintor de fachadas. Ao concluir o painel que anunciava a próxima estréia -o hoje clássico "Hamlet", com Laurence Olivier-, o dono do cinema reclamou que queria mais cores. "Mas o filme é em preto-e-branco", argumentava indignado o pintor. "Mas assim vai espantar o público", esbravejava o exibidor...
Foi quando começou a pensar em mudar de ares. Chegou a São Paulo muito pobre, em 1952, e se encantou com "uma cidade que podia ter qualquer sotaque". Ficou para sempre com o seu sotaque catalão.
"Pode parecer loucura agora um homem de 66 anos querer fazer um longa sobre São Paulo, mas estou sentindo que tem um monte de gente na torcida para dar certo." O último elogio que recebeu foi de Bruno Barreto, que acabou de ler o roteiro e fez uma proposta inaceitável: queria ele dirigir o filme no lugar de Zaragoza.

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