São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 1997
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Clássicos da semana

FERNANDO CANZIAN

O país assistiu na semana passada a alguns espetáculos políticos explícitos que infelizmente, ou felizmente, nos colocam novamente em nosso devido lugar. São um desmonte completo da ladainha do "país que está mudando", do "rumo à modernidade" e tudo o mais.
A empulhação em que resultaram os sete meses de CPI dos Precatórios e a ópera-bufa protagonizada pelos aliados do governo no caso da demissão, que durou quatro horas, do "líder" Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA) são exemplares. E foram só o começo.
Para fechar o período, tivemos protestos de sem-terra, sem-teto e sem-propósito que reuniram em todo o país 40 mil pessoas, consideradas imediatamente "raivosas" e cheias de "bílis" pelo presidente da República. Sem falar nos jacarés, "mais dóceis" que os humanos.
Enfim, a semana descortinou um verdadeiro sanatório, a vida como ela é.
E o pior é que todos os envolvidos nesses eventos construtivos tinham suas razões para agir como agiram.
Os senadores que livram o pescoço dos políticos graúdos na CPI dos títulos esperam favores futuros; o PFL quis marcar posição e obteve uma retratação "para inglês ver" do presidente contra Sérgio Motta; os manifestantes, sem-terra e PMs em greve pediram o que queriam; e o presidente, por último, agiu politicamente ao desprezar solenemente, com a ajuda dos jacarés do Pantanal, aqueles que o incomodavam naquela sexta-feira ensolarada.
Ou seja, todos os envolvidos fizeram exatamente o que queriam, apesar do bom senso, da platéia e da lei, que deveria ser igual e aplicada para todos.
Neste último item, pelo menos, começa a haver uma conformidade -a aceitação de que algumas ilegalidades, não importa de onde brotem, são "passáveis" devido às circunstâncias.
É o caso dos Estados: a greve das polícias é tão ilegal quanto emitir títulos para pagar outras coisas que não os tais precatórios (dívidas judiciais). Mas os PMs em greve estão ficando tão sem punição quanto os seus chefes, governadores que agiram como foras-da-lei com a papelada que virou dinheiro farto para pagar empreiteiras e usineiros.
É algo novo e interessante. A lei, que em geral é desigualmente aplicada no Brasil entre os "com-tudo" e os "sem-nada", está ficando, neste caso, igualmente não-aplicada para nenhum dos lados.
Efetivamente, o país está mudando.

O pessoal "teimoso, do contra" que puxou a manifestação em 20 Estados do país na sexta-feira quer organizar outro evento do tipo no segundo semestre, provavelmente para o dia 7 de setembro.
Seria o terceiro grande ato contra o governo FHC este ano. Para quem estava há poucos meses sem oposição e tranquilo quanto às eleições de 98, o atual governo até que está conseguindo, graças a declarações e episódios infelizes como os da semana passada, suscitar alguma emoção para o ano eleitoral que vem aí.

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