São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 1997
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O que Jader mudou

O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) apresentou restrições ao parecer de Requião, retirando as responsabilidades de governadores, prefeitos e secretários pelas irregularidades. Leia abaixo:
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VOTO EM SEPARADO AO PARECER DO RELATOR
1. OBESERVAÇÕES PRELIMINARES QUANTO AO PARECER DO RELATOR
Face a polêmica estabelecida em interpretação regimental, de que ao parecer do Relator desta Comissão Parlamentar de Inquérito que apura "irregularidades relacionadas a autorização, emissão e negociação de títulos públicos estaduais e municipais, nos anos de 1995 e 1996" ser passível ou não de ser emendado, isto e, sofrer alterações, restam apenas duas alternativas: -aprová-lo integralmente ou rejeitá-lo integralmente.
Há que se reconhecer, por indeclinável dever de justiça, o valioso trabalho realizado pelo ilustre Relator, Senador Roberto Requião e condensado no seu "Relatório Geral sobre o esquema de emissões e negociações com títulos públicos" (título 1), bem como no "Exame individualizado do processo de emissão e utilização dos recursos de cada Estado e Município" (Título 2). Entretanto, tal reconhecimento que merece nossa solidariedade em linhas gerais, não impede discordar de algumas considerações, interpretações, adjetivações e enquadramentos em relação a pessoas e fatos.
O maniqueísmo de tal circunstancia nos leva a tão esquisito impasse e nos deixa um único caminho, o do voto em separado, através do qual pedimos vênia para expressar nosso entendimento sobre o apurado.
CONSIDERAÇÕES
A CPI, de forma restritiva, se preocupou exclusivamente com a emissão de títulos públicos estaduais e municipais para pagamento de precatórios, perdendo a oportunidade de incursionar em seus trabalhos, com base no fato determinado que objetivava a apuração do universo da emissão e negociação de todos os títulos públicos estaduais e municipais no período de 1995 e 1996, desta forma perdendo grande oportunidade de alargar suas investigações.
Entendo ser equivocado distinguir, interpretar, adjetivar e enquadrar legalmente e de forma diversa os agentes públicos -Governadores, Prefeitos e Secretários de Estado- que ao pleitearem e emitirem títulos públicos para pagamento de precatórios, tenham cometido irregularidades, em suas distintas etapas, seja porque o pleito extrapolava o montante efetivo e correto dos valores compromissados -com os seus acessórios ou não- seja pelo pagamento de comissões (ou "taxa de sucesso") aos intermediários, ou pela posterior utilização indevida, isto e, pelo desvio de finalidade na aplicação.
Os depoimentos, documentação e leitura do parecer do Relator nos leva a interpretar que as condutas dos agentes públicos neste episódio guardam, em linhas gerais e no essencial, comportamento idêntico, isto e, estão passíveis de processamento por crime de responsabilidade, cabendo o enquadramento e julgamento ser realizado pelas instâncias competentes na forma prevista na Constituição.
Face tal constatação, o caminho adequado ao final dos trabalhos desta CPI será o envio dos dados e informações obtidas as instituições competentes para as providencias cabíveis, inclusive ao Ministério Publico, para exame e enquadramento, se for o caso, dos crimes comuns sem prejuízo das demais sanções.
Quanto ao núcleo de que o Relator denomina de "esquema" e "formação de quadrilha", fica evidenciado por depoimentos e documentos, que teve origem em 1992, a reunião de funcionários da Secretaria de Finanças de são Paulo, com a finalidade de vender e exportar "know how" em montagem e estruturação de processos de autorizações de emissão de títulos para pagamento de precatórios.
Extrapolar as ações de tal "núcleo" para envolver Governadores e Prefeitos, advindos posteriormente, como integrantes de tal "esquema" e um exercício, no mínimo exagerado, de ilação e não tem correspondência com os fatos apurados por esta CPI. O exercício da duvida não da direito a sentença de cumplicidade ou co-autoria, considerando inclusive que os fatos apurados pela CPI ocorreram em 1995 e 1996 e o grupo da Secretaria de Finanças do município de são Paulo atuava desde cinco anos antes.
Quanto as entidades do mercado financeiro -bancos, corretoras, distribuidoras etc- envolvidas no episódio dos "precatórios", cabe, com a ressalva da ausência de melhores conhecimentos técnicos dos mecanismos de atuação diária do mercado, o juízo de que os fatos apurados se constituem em rotina, não tendo receio de imaginar e afirmar que, se a CPI investigasse todo o processo da emissão e negociação dos títulos públicos no país não chegaria a conclusão diversa de que estas são as suas regras e praticas, estando convencido de que a CPI não apurou fatos isolados mas revelou o retrato de parte do universo do sistema financeiro nacional. O mercado financeiro no Brasil e isto ai, sendo o episódio dos "precatórios" uma pequena parte deste território de regras e conveniências de moral bastante divididos
Exemplos, passados e recentes, bem demonstram não ser exagerada tal constatação, face os inúmeros escândalos públicos como os que envolveram os Bancos Econômico e Nacional, com o primeiro chegando a publicar balanço registrando lucros e pagando dividendos as vésperas de sua intervenção, enganando desprotegidos correntistas e acionistas, tudo com a cumplicidade das autoridades monetárias encarregadas de sua fiscalização, que permitiram o máximo de seu apodrecimento, com Prejuízo inevitável a sociedade e facilitações de rapinagem por parte de seus dirigentes. No caso do Banco Nacional, foram mais de dez anos de fraudes, com centenas de contas fantasmas e empréstimos fictícios, tudo com a conivência e a mesma vista grossa das autoridades responsáveis.
O retrato dos episódios Econômico e Nacional, seguramente, também não é isolado, como não o são o das entidades financeiras citadas e envolvidas na apuração desta CPI. O triste e que a conta e as "bandas podres" de bilhões de reais são debitadas a conta do povo brasileiro, em nome da estabilidade e da segurança do sistema financeiro nacional.
Portanto, a apelidada "cadeia da felicidade" não se restringe, como pratica, ao episódio precatórios e, ouso admitir, e ação rotineira de todo o mercado.
Outro aspecto a destacar, e o enfoque de "escândalo" dado a cobrança de "taxa de sucesso" por parte de instituições financeiras com atuação no mercado; tal remuneração constitui cláusula usual de contratos de prestação de serviços, agregada a taxa de administração que comumente remunera os prestadores de serviço pelo seu desempenho. E óbvio que tais serviços não seriam prestados gratuitamente, o que não exclui de criticas a forma de contratação dessas instituições, que devera ser apurado pelo Ministério Público, conforme esta inserido nas recomendações do Ilustre Relator.
A propósito de "taxas de sucesso" não posso deixar de registrar, também, que tais praticas são constantes e diárias, sem falar das elevadíssimas taxas de juros pagas por Estados e Municípios nas conhecidas operações de ARO (antecipação de Receitas Orçamentárias), sempre de acordo com a orientação da política oficial da área econômica do Governo Federal.
Quanto ao percentual de "taxa de sucesso", depoimentos constantes dos anais dessa CPI dão conta que no lançamento de outros títulos públicos (debêntures, por exemplo), os percentuais cobrados em nada diferem daqueles praticados na emissão dos títulos para pagamento de precatórios.
Quanto a figura do deságio existente no mercado de títulos, que equivocadamente esta sendo encarada como "prejuízo", "roubo" e outros adjetivos nesta CPI, todos sabemos que o deságio, ao lado de remuneração do papel, forma o rendimento final do título, de maneira a suscitar o interesse -maior ou menor- do investidor. Como pode-se constatar, esta e a regra básica do mercado de títulos. O próprio Governo Federal admite tais procedimentos, ao emitir bônus para negociações no mercado internacional.
Face tal realidade, há que se ter cuidado em sentenciar como prejuízo" ou "roubo" procedimentos que são rotineiros no mercado, além do fato de que cada caso e um caso, isto e, cada título guarda características próprias, levando-se em conta a situação do emitente e, por consequência, o nível de credibilidade e lucratividade que possa merecer o mesmo.
Há, portanto, títulos e títulos; o que me faz renovar a indagação: qual o deságio do título de Alagoas, na atual conjuntura?
Inobstante tais afirmações, não excluo a apuração rigorosa da chamada "cadeia da felicidade", na forma já recomendada pelo Senhor Relator em suas conclusões, objetivando a punição de atos como evasão de divisas, sonegação fiscal e outros, lesivos ao interesse publico.
O Banco Central instituição responsável pelo assessoramento ao Senado Federal, para a concessão da autorização com vistas a emissão dos títulos públicos, simplesmente foi omisso na maioria de seus pareceres que deveriam ser conclusivos, preferindo seguir o caminho de vagas considerações, remetendo a esta Casa Legislativa a definição que deveria ser sua, de cabimento ou não da autorização.
O Banco Central, a despeito de seu excelente quadro de servidores, vem praticando a política de "porta arrombada", isto e, intervindo no fato consumado, que acaba em descrédito de seu acompanhamento e fiscalização do mercado financeiro, com prejuízos ao erário e a sociedade.
No caso dos processos apurados por esta CPI, outra seria a historia se, de forma final e responsável, o Banco Central tecnicamente aprofundado verificações e claramente definido sua face aos mesmos.
A procedência de tais afirmações não se baseia apenas em fatos amplamente são de domínio publico, mas em episódios constatados ocorridos ao longo dos trabalhos da CPI. Foram tantos, mas preferimos apenas três, que bem configuram o desempenho sofrível do Banco Central.
A instituição financeira envolvida na apuração da CPI com maior volume escândalos, tanto vinculados aos "precatórios" como a toda sorte falcatruas, e o BERON -Banco do Estado de Rondônia, que por incrível que possa parecer, estava e esta sob a intervenção e gerência do Banco Central, demonstrando que, se o Banco Central tem dificuldade acompanhar e fiscalizar o que esta sob sua gerência, deixa a imaginação tratamento dado ao que não esta tão perto dos seus olhos. Tais afirmações se baseiam no rosário de irregularidade e crimes praticados no contidos em relatório do próprio Banco Central enviado a esta comissão. Os dois outros exemplos são a auditoria do Banco Central realizada no Vetor, 48 horas antes de sua liquidação extrajudicial, onde foi informado .
cada haver de irregular ou incorreto na instituição financeira, liquidada dias depois. Como interpretar o episódio: a auditoria foi correta ou errada? O Banco foi liquidado de forma responsável ou apenas como resposta escândalo dos precatórios? Tal conduta e incompatível para a considerada guarida da moeda e responsável pela segurança do financeiro. Enquanto o Banco Vetor e acusado de ser um dos iniciadores processo da "cadeia da felicidade", outra instituição, o Bradesco, e de ser a ponta final de tal "cadeia"; entretanto o Banco Central emitiu parecer onde poupa a instituição de tal suspeita.
Ocorre que Vetor e Bradesco estão sob suspeição no proposto; entretanto ambos contam com auditoria favorável do Central, sendo que o primeiro foi liquidado e o segundo, funcionando como uma das maiores instituições financeiras do brasileiro. Cabe a pergunta: em qual auditoria do Banco Central acreditar? nas duas? em nenhuma delas?
Mesmo com a maior boa vontade, e vulnerável confiar na dos atos do Banco Central, em que pese, repito, a excelência de quadros, já que são tantos os fatos a demonstrar a fragilidade de sua ações algumas tomadas ao calor do escândalo, sempre com atraso e, raramente, sob a suspeição de erro.
O Banco Central, além de pareceres não conclusivos na maioria casos, acrescenta ainda o fato de que, no episódio de autorização para Estado de Santa Catarina, haver ignorado a resolução autorizativa Senado Federal, que condicionava o registro dos títulos somente após a comprovação da existência dos precatórios sendo, portanto, no caso, o grande responsável pela materialização do evento.
Quanto ao Senado Federal como entidade legislativa responsável pelas autorizações, cabe o reconhecimento de que, além de haver precariamente assessorado pelo Banco Central, preferimos, na maioria dos casos, o caminho pouco responsável dos requerimentos de urgência em lugar da analise mais aprofundada dos pleitos, seu cabimento e a repercussão dos mesmos na expansão do endividamento dos Estados e Municípios, e suas consequências para a economia em geral.
As relatorias em Plenário, invariavelmente com maior possibilidade de equívoco -preterindo a apreciação da comissão Técnica, no caso dos precatórios- foram fatais para a suspeição que envolve todo esse episódio, levando a que o Senado contabilize o desgaste e cuide de melhor estruturar e respeitar os mecanismos de seu desempenho como Casa Legislativa fiscalizadora e representante responsável da Sociedade.
Talvez o caminho adequado fosse o de considerar incabível a urgência na apreciação de matérias como as objeto dessa CPI e outras correlatas, evitando-se dessa forma o risco de novos erros, escândalos e prejuízos para o erário.
Ao apresentar, por fim, Voto em Separado, solidarizo-me com o ilustre Relator, Senador Roberto Requião, em todas as proposições e recomendações de seu Parecer, contidas na totalidade dos Capítulos 6 e 7 do Relatório da presente CPI, que expressam as ações e medidas indispensáveis para a eliminação de condutas incompatíveis com o interesse publico.

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