São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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'Liga barbante', feita de material vagabundo

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tu foste dançar par constante/ Num baile de um clube da liga barbante/ Tu abafaste a orquestra/ Dizendo: "Sou mestra, pior que o Palestra!". Os versos de Noel são do início dos anos 30, quando nascia o profissionalismo, e fazem referência à força do Palestra Itália de Romeu Pelliciari e à fragilidade das federações, vira-e-mexe fragmentadas em entidades de todo tipo, que a turma chamava de "liga barbante". Isto é: feita de material vagabundo, capaz de romper-se com facilidade.
Quem ler "História do Campeonato Paulista", dos companheiros Valmir Storti e André Fontenelle, verá que, até os anos 40, se trata da narrativa da saga da bagunça: não há torneio que termine em pé. É uma sequência de brigas e cisões, dentro e fora do campo.
E assim era também no plano nacional. Basta dizer que, para disputar a Copa de 30, no Uruguai, o meia do Santos Araken Patusca teve de fugir de madrugada para o Rio, a fim de se apresentar à CBD, que estava rompida com a Federação Paulista. Nenhum paulista podia servir à seleção.
A zorra só se organizou por aqui depois que o ditador Getúlio Vargas baixou o decreto que criou o CND e regulamentou o esporte no Brasil, em 42.
Porém, mais eficiente do que a lei forjada nas trevas da ditadura, o que deu substância e força à Federação Paulista foi a presença de Roberto Gomes Pedrosa, homem de fino trato, quatrocentão, solteiro por opção sexual, como se diria hoje, ex-goleiro da seleção, que tocou o barco com remadas firmes até a sua morte prematura, no final daquela década.
Assim como foi João Havelange quem, já nos anos 50, deu consistência à CBD -hoje CBF. Construiu o prédio da rua da Alfândega e, com uma combinação bem dosada de pulso firme e sutis manobras políticas, submeteu as federações ao controle da entidade.
Hoje, o que se vê no nosso futebol é uma estrutura de poder forte, intocada, mas a autoridade moral ligada por frágeis barbantes. Por isso, muita gente boa -entre elas, o ministro Pelé- aposta na criação da Liga Nacional como a panacéia desse pobre futebol.
Mas, na prática, pergunto: a tal liga já não existe? Esse Brasileiro que aí está espantando os torcedores não é fruto do desejo dos presidentes dos clubes, o chamado Clube dos 13?
Se Ricardo Teixeira é responsável único pela vergonhosa remissão do Flu e do Braga, não se lhe pode imputar a estupidez do sistema de disputa.
Essa é de exclusiva autoria dos clubes, que, mesmo diante do óbvio, insistem em defendê-la. Tanto que o presidente do Clube dos 13, Fábio Koff, outro dia, chegou ao cúmulo de argumentar que é o torcedor quem está equivocado, ao deixar de perceber a importância da fase classificatória.
Sei bem que desde Marx, o indivíduo, a personalidade, deixou de ser o centro da história. Ainda bem. Mas, no caso específico do futebol brasileiro, começo a desconfiar que só uma lei capaz de reproduzir os clones de um Pedrosa ou de um Havelange dos velhos tempos poria termo à bagunça.
O diabo é que as leis que criam os homens de verdade são de outra natureza.
PS: Já pensaram Eurico Miranda presidente da Liga?

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