São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Skármeta mostra outra face do exílio

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Antonio Skármeta, autor de "O Carteiro e o Poeta" -cuja adaptação para o cinema ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 96-, chega ao Brasil no próximo dia 14 para o lançamento nacional de "Não Foi Nada", escrito no início da década de 80.
O livro tem como narrador o garoto Lucho, de 14 anos, filho de exilados chilenos na ex-Alemanha Ocidental durante a ditadura Augusto Pinochet. O próprio Skármeta viveu como exilado naquele país entre 75 e 88.
Em sua segunda visita ao Brasil, o escritor chileno irá participar da 8ª Bienal do Livro do Rio, nos dias 16 e 17.
"Meus desejos são mostrar o livro à imprensa, encontrar-me com o grupo de teatro que encenou 'O Carteiro e o Poeta' e discutir com gente de televisão a possibilidade de exibir na TV brasileira a primeira versão para cinema do 'Carteiro", dirigida por mim em 83", afirmou o escritor à Folha, por telefone, de Santiago (Chile).
Skármeta acaba de concluir mais um trabalho, a comédia musical intitulada provisoriamente como "A Derrota Eleitoral do Ditador Faz 10 Anos", sobre a saída de Pinochet do poder.
No início de 98, outro livro deverá ser lançado no país pela editora Record. Trata-se de "Matchbox" -ou "La Velocidad del Amor", em espanhol-, já best seller no México. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
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Folha - O que há em comum entre "Não Foi Nada" e "O Carteiro e o Poeta"?
Antonio Skármeta - "Não Foi Nada" foi escrito mais ou menos na mesma época em que escrevi "O Carteiro e o Poeta". Nesse momento, o que me preocupava era o destino da gente que vinha de um país que lhe havia sido roubado.
Folha - Os exilados?
Skármeta - Não somente isso, porque o carteiro também havia inventado um país, havia crescido dentro de um país que estavam roubando dele. Digamos que "Não Foi Nada" é como a outra face do carteiro, fora do Chile.
Folha - Por que escolheu um protagonista adolescente?
Skármeta - Quase todos os escritores que falaram sobre o exílio fizeram-no a partir do ponto de vista dos adultos. Eram livros muito melancólicos e muito ideológicos. Eram livros nos quais os personagens queriam acertar contas com o passado e chamar a atenção do mundo para suas feridas. Então eu mudei o ponto de vista.
Folha - Para dar mais leveza?
Skármeta - Parti do relato de um filho de exilados porque nele está toda a frescura da experiência de dois mundos. Um é o da fidelidade aos pais, que vêm de um mundo derrotado. E outro, a fidelidade com a própria vida. Ele é capaz de contar com energia, com força, com humor, alegria e ironia suas próprias experiências.
Folha - O livro foi baseado numa pessoa real?
Skármeta - Sim, começou baseado num amigo de meu filho que queria ser poeta. Mas depois trabalhei com jovens latino-americanos para encontrar suas características, sobretudo seu humor e sua visão dos pais.
Folha - Como fez isso?
Skármeta - Agora vou contar um segredo. Eu gosto muito do rock. Não tenho mais cabelo, mas no fundo do meu coração ainda sou teenager. Nasci na geração do rock'n'roll, ouvia Bill Halley, Presley. Depois continuei com os Beatles, os Rolling Stones, Eletric Light Orchestra, Led Zeppelin... E também gosto muito de esportes, ia sempre assistir aos jogos de futebol dos garotos. Isso me permitiu uma comunicação fácil com eles.
Folha - O sr. viveu como exilado na Alemanha de 75 a 88. O que há de autobiográfico no livro?
Skármeta - Na minha literatura eu vejo muito a realidade objetiva. Mas para dar um caráter espontâneo, emocional, recorro à minha própria vida e aos meus sentimentos. Então há algo disso nesse personagem, mas também no pai dele. São personagens de ficção que têm um traço de uma experiência de vida. Só que essa experiência foi significativa para milhares que viveram fora do seu país.

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