São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Entre a coisa e o processo

ANTONIO DELFIM NETTO

O desenrolar dos fatos na Ásia mostra mais uma vez que as crises cambiais não são uma "coisa". Elas nem acontecem nem se esgotam instantaneamente. Trata-se muito mais de um "processo", um fenômeno cuja analogia não é mecânica, como a ruptura de uma barra de metal sob tensão, mas biológica: uma espécie de infecção, que uma vez instalada vai se desdobrando em múltiplos efeitos.
Há seis meses os países asiáticos eram utilizados como "testemunhas" para mostrar a fraqueza das economias latino-americanas. Os espetaculares resultados asiáticos: taxas de crescimento do PIB da ordem de 7% a 8%; inflação em torno de 4% a 5%; níveis de poupança altos, 30% a 40% do PIB; déficits fiscais comportados; déficits em conta corrente utilizados para investimento; taxas de crescimento das exportações de 20% ao ano.
Todos os relatórios do Banco Mundial, do FMI e de outras instituições multinacionais (com a possível exceção do BIS) gastavam páginas em inglês (a linguagem que produz a "verdade") para convencer os pobres diabos latino-americanos a mimetizarem o "milagre-asiático"...
De repente, em lugar de instalar-se no Brasil (que não é o México, mas também não é um tigre), a crise escolhe como epicentro um dos mais virtuosos daqueles países, a Tailândia.
E de lá vai transmitindo uma onda de choque a seus parceiros, na forma própria das epidemias que causam dores, mas não matam. A tabela abaixo mostra a taxa de câmbio de alguns países no dia 24 de julho último, comparada à de um mês atrás:

Taxa de câmbio nominal/dólar
País (moeda) 25/6/96 24/7/97 %
Tailândia (baht) 25,3 32,7 29,2
Indonésia (rupia) 2432 2615 7,5
Malásia (ringgit) 2,52 2,65 5,2
Filipinas (peso) 26,2 28,5 8,8
Coréia (won) 888 894 0,7 (1)

(1) - 10,5% no ano, com 4,5% de inflação

Todas elas eram bastante estáveis (com exceção do won que o governo já vinha ajustando). Em menos de quatro semanas flutuaram sob a pressão do que todos gostam de chamar de "especuladores", isto é, os infiéis que colocam em dúvida os "fundamentais" sempre supostos em posição correta pelos governos. O interessante é que a linguagem não muda. Na crise de 1992 contra o franco, o ministro de Finanças da França disse que essa "canalha (os especuladores) deveria ser servida à madame guilhotina como na boa e honesta revolução de 1789".
Agora o primeiro-ministro da Malásia proclama: "Fomos induzidos à liberdade de comércio, mas liberdade para quem? Para os especuladores e anarquistas que querem destruir nossos países na sua cruzada liberal, para forçar-nos a aceitar a ditadura das manipulações internacionais"?
A Coréia tem tido uma política mais esperta, defendendo suas exportações que este ano devem atingir US$ 137 bilhões, contra US$ 130 bilhões em 1996, mas vê o déficit em conta corrente atingir US$ 22 bilhões (4,5% do PIB), com o seu sistema bancário começando a dar sinais de fadiga.
A infecção prossegue o seu rumo. Que sorte não sermos um tigre...

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