São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Uma proposta para a Convenção do Clima

JOSÉ ISRAEL VARGAS

Diante dos desafios dos problemas ambientais globais, o ordenamento internacional inclui hoje instrumentos específicos para abordá-los. Entre eles destaca-se a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, ou Convenção do Clima.
A mudança do clima a que a convenção se refere é o aquecimento global decorrente da intensificação do efeito estufa, causado pela emissão de certos gases a uma taxa mais elevada do que a da sua remoção natural da atmosfera.
As previsões são de aumento de cerca de 3°C na temperatura média da superfície da Terra até o ano 2100. O problema é sério, e a solução não está ao alcance de medidas emergenciais, até porque as emissões de gases de efeito estufa estão fundamentalmente relacionadas às ações humanas: decorrem, por exemplo, da produção e do uso de combustíveis fósseis, de atividades industriais e mudanças do uso da terra.
Não é possível eliminá-las totalmente, pois isso significaria alterar de maneira brusca necessidades da vida moderna. Se não é possível, felizmente também não é a única alternativa. Basta manter as emissões dentro de limites tais que os mecanismos naturais da atmosfera possam compensá-las.
Os gases que existem hoje na atmosfera, como CO2, CH4 e N2O, resultam de emissões acumuladas ao longo de 150 anos. Os efeitos das emissões atuais, do mesmo modo, somente serão sentidos dentro de várias décadas, repercutindo em termos de elevação da temperatura e do nível do mar apenas no final do próximo século.
A Convenção do Clima -assinada durante a Rio-92- estabeleceu como objetivo comum a estabilização das concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa em níveis seguros, tomando como base as emissões dos países em 1990. O crucial é decidir sobre os níveis de emissões a serem tolerados no futuro próximo e, depois, definir a divisão do ônus entre os países para obter as reduções necessárias.
O que está em jogo agora é a discussão do chamado Protocolo de Kyoto, que será levada à 3ª Conferência das Partes, em dezembro próximo, naquela cidade do Japão. O documento estabelecerá metas quantitativas de redução das emissões dos países desenvolvidos para 2005, 2010 e 2020 e as providências para alcançá-las.
As negociações do Protocolo de Kyoto devem atender a princípios estabelecidos pela própria Convenção do Clima. Um desses pontos é o reconhecimento de que as emissões têm efeito por longo tempo. Desse modo, a situação atual se deve, em grande medida, às emissões -atuais e passadas- dos países industrializados.
Por isso, esse grupo de países deve assumir a dianteira na implantação de medidas de redução de suas emissões. Já para os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, cuja industrialização é, comparativamente, recente e incompleta, não são estabelecidos compromissos adicionais.
Compete-lhes estabelecer programas para o tratamento da questão, sem, no entanto, que se definam metas quantitativas de redução de emissões. Seus programas de redução estarão ainda condicionados a que os países industrializados tornem disponíveis recursos financeiros e tecnológicos adequados.
O Brasil vem procurando colaborar para a correta formulação e solução dos problemas, de forma a conciliar as necessidades de desenvolvimento social e econômico com as condicionantes dos problemas ambientais globais, de forma justa para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Assim é que elaborou propostas para o Protocolo de Kyoto e colocou-as na mesa de negociações.
A proposta brasileira, preparada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, quantifica de forma prática a repartição do custo do combate à mudança do clima de acordo com a efetiva responsabilidade de cada país -medida pela parcela de contribuição para o aumento da temperatura média e não apenas pelas emissões atuais.
A proposta brasileira contém ainda um mecanismo de provisão de recursos financeiros para cobrir as ações preventivas nos países em desenvolvimento. Trata-se de um fundo mundial, a ser alimentado por contribuições impostas aos países industrializados que não cumprirem metas. Esse fundo de desenvolvimento limpo baseia-se no princípio do "poluidor-pagador".
Parece-nos uma solução criativa no sentido de repartir de maneira justa o ônus do combate à mudança do clima. Isso é crucial para os países em desenvolvimento, cujos sistemas sociais e econômicos estão, em geral, menos preparados para fazer face a mudanças.
O Brasil é um pequeno emissor de gases de efeito estufa. Isso se deve, entre outros fatores, ao potencial hidrelétrico e ao uso de combustíveis renováveis, em particular o álcool.
Há ainda uma peculiaridade relacionada com o uso da terra, que nos torna o país cujas emissões mais diminuíram em termos relativos em todo o mundo. Isso decorre da existência em nosso território de grande área de florestas e da redução da taxa anual de desflorestamento na Amazônia, de um pico superior a 2 milhões de hectares ao ano, na segunda metade da década de 80, para 1,5 milhão de hectares anuais hoje.
Como nação responsável, contudo, não podemos nos omitir diante de medidas decisivas para o futuro da humanidade. Em junho passado, o presidente Fernando Henrique Cardoso, perante sessão especial da Assembléia-Geral da ONU para avaliar a implementação da Agenda 21, mencionou o "espírito do Rio" como maior legado da Rio-92, que "forjou uma nova parceria global para o crescimento econômico modelado pela justiça social e pela utilização sustentável dos recursos naturais".
Afirmou a disposição do Brasil de "continuar na vanguarda do processo que gerou um dos momentos mais expressivos do entendimento internacional". É exatamente nessa linha que o Brasil está conduzindo o trabalho sobre mudança do clima.

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