São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Brasil é ou não diferente?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Agora que a poeira parece estar baixando um pouco, vale a pena reexaminar com mais cuidado a questão das semelhanças e diferenças entre o Brasil e alguns países que sofreram ataques especulativos em 1997. Na polêmica destas últimas semanas, apareceram estatísticas as mais variadas, nem sempre confiáveis ou interpretadas de forma adequada.
Aqui na Folha, o deputado Roberto Campos, por exemplo, embora reconhecendo que a posição brasileira é desfavorável em alguns indicadores, ressaltou que "como percentagem do PIB, tanto a nossa dívida externa (25%) como o nosso déficit em conta corrente (4,19%) são mais confortáveis do que os dos países afetados pelo atual nervosismo financeiro".
No outro extremo, o economista do PT, Aloizio Mercadante, escreveu que "nossos indicadores macroeconômicos são piores do que os tigres que desabaram na última semana".
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Apresento a seguir um resumo de levantamento comparativo dos indicadores externos do Brasil e de três países que sucumbiram a ataques especulativos em 1997: a República Tcheca em maio e a Tailândia e as Filipinas em julho. (A íntegra do levantamento está sendo publicada na "Carta de Conjuntura" do Conselho Regional de Economia de São Paulo, que será divulgada hoje em debate na sede do conselho.)
Como tem sido amplamente destacado pelo governo e pela imprensa no Brasil, a relação déficit em conta corrente/PIB do Brasil é, de fato, ligeiramente menor do que a das Filipinas e significativamente menor do que a da Tailândia e a da República Tcheca. Além disso, uma parcela maior do déficit brasileiro é coberta por investimentos diretos. Também é verdade que as reservas brasileiras, comparadas às importações, são mais altas do que eram as dos três outros países em dezembro de 1996, alguns meses antes das crises cambiais (ver tabela).
Não é apropriado, entretanto, basear a comparação apenas nesses indicadores. A relação déficit corrente/PIB, por exemplo, pode ser um indicador enganoso, uma vez que a valorização real da moeda nacional aumenta artificialmente o valor em dólares do PIB.
Comparado com as exportações, o déficit em conta corrente brasileiro é muito mais alto do que os registrados, em 1996, pelos três países que sofreram crises cambiais nos últimos meses (ver tabela).
É verdade, por outro lado, que nessa última comparação o Brasil é prejudicado pelo fato de ser uma economia de proporções continentais, que tende a ser mais fechada ao comércio exterior do que economias relativamente pequenas como a República Tcheca, a Tailândia ou as Filipinas. Mas o mesmo argumento poderia ser invocado contra o uso da já mencionada relação reservas/importações, que nos é tão favorável.
Relativamente ao déficit em conta corrente ou à dívida bancária externa de curto prazo, a posição de reservas do Brasil não é tão confortável. Como se vê na tabela, em junho de 1997, as reservas brasileiras, como proporção do déficit corrente, eram significativamente inferiores às reservas das Filipinas, da República Tcheca e da Tailândia em dezembro de 1996. A dívida bancária de curto prazo representava cerca de 60% das reservas brasileiras em fins de 1996, um percentual superior ao das Filipinas e ao da República Tcheca na mesma data, embora inferior ao da Tailândia.
Quanto aos fluxos de capital, a tabela mostra que, em 1996, os ingressos mais estáveis (incluindo, não só investimentos diretos, como também, empréstimos sindicalizados e emissões de bônus) foram bem maiores, como proporção do déficit corrente, no caso das Filipinas, da República Tcheca e da Tailândia.
Em suma, embora nem todos os indicadores sejam desfavoráveis ao Brasil, o quadro comparativo não é tão tranquilo quanto sugere a interpretação dominante na imprensa brasileira nas semanas recentes. Sobretudo quando se considera, ainda, a semelhança entre o regime de bandas cambiais que o Brasil vem adotando, desde março de 1995, e o que vinha vigorando nesses três países até a eclosão da crise.
O Brasil tem razões de sobra para colocar as barbas de molho.

E-mail: pnbjr@ibm.net

Texto Anterior: Doença burocrática; Sem "infra"; De mudança; Causando espanto; Sem excedente; Primavera antecipada; Aos tubos; Querida terrinha; Nem tanto ao mar; Sem fantasias; Crédito à importação; Mais ativos; Fazer o quê; Levando a conta
Próximo Texto: Quando os dólares começam a fugir de um país...
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.