São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 1997
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Quando os dólares começam a fugir de um país...

ALOYSIO BIONDI

No mês de junho, o comércio varejista da Grande São Paulo vendeu 10% a menos. Os supermercados, especificamente, também acusaram recuo de 10% no faturamento. A indústria de eletroeletrônicos, com vendas em baixa há meses, acumula estoques de 1,5 milhão de televisores em Manaus e entra em férias coletivas. Idem, ibidem, para o ramo da "linha branca", fogões, geladeiras e que tais. Cervejas e refrigerantes, após a orgia de instalação de fábricas pelo Brasil afora, podem ser encontrados pela metade do preço em supermercados ou padarias. Os revendedores de automóveis entram em guerra com a indústria automobilística, que os obriga a "comprar" sua cota de carros -apesar de os estoques, ou encalhe, no varejo, chegar à casa dos 120 mil veículos.
Por trás desse quadro de retração que atinge o comércio e a indústria, é impossível não enxergar a perda de poder aquisitivo do consumidor, cujos efeitos vêm amadurecendo há meses. O desemprego, a contenção dos salários (ou achatamento, na prática), o congelamento dos vencimentos do funcionalismo e a destruição da produção nacional com as importações vinham desenhando a crise, agora claramente visível.
A erupção dos problemas foi temporariamente adiada, desde o ano passado, com a falsa "bolha de consumo", alimentada pela farra do crediário, com a venda de bens duráveis em até 36 prestações de R$ 15,00 a R$ 20,00. Essa cortina de fumaça também se esvaiu e deixou uma herança pesada: há em São Paulo 4,5 milhões de carnês em atraso, ou quatro vezes e meia a média tradicional, de 1,0 milhão (parêntesis: até o mês passado, esse número foi devidamente escondido pela Associação Comercial de São Paulo, que divulgava a existência de 3,5 milhões de carnês em atraso, ou 1,0 milhão abaixo do número verdadeiro).
Estoques, férias coletivas, inadimplência do consumidor. As perspectivas para a economia, nesse segundo semestre, não são animadoras. Os eternos otimistas de Brasília, ironicamente, são bem capazes de soltar rojões diante dessa situação crítica. Por quê? Com fábricas paradas, forçosamente vai cair a importação de peças para os eletroeletrônicos e automóveis, que dispararam nos dois últimos anos, com o "escancaramento" do mercado.
Com isso, o saldo negativo, o rombo na balança comercial (exportação menos importações) pode recuar e, teoricamente, ajudar a combater os temores de que o Brasil enfrente uma falta de dólares semelhante à dos tigres asiáticos. A quebra de empresas, o desemprego e o avanço da recessão seriam, portanto, uma "bênção", na visão da equipe FHC.
Há o outro lado da moeda. Os estoques e a queda no consumo certamente farão as multinacionais adiarem parte dos investimentos que haviam programado para montar ou ampliar negócios no país. Virão menos dólares que o previsto para tapar o "rombo" das contas externas. Da mesma fora, a queda dos lucros -ou prejuízos- que as empresas passaram a apresentar afugentarão os investidores em Bolsas, ou mesmo os empréstimos de banqueiros a empresas nacionais. É esperar para ver.
Repeteco
Todos os países que escancararam seu mercado, dentro da cartilha neoliberal, vivem o mesmo filme. No primeiro momento -como o Brasil em 1995 e 1996- há euforia das multinacionais, enxurrada de dólares para comprar empresas, montar negócios. Há euforia nas Bolsas. No momento seguinte, "estrangulamento" provocado pelas importações e recessão trazida pela enxurrada de importações. aí, tchau. Os dólares somem. Como herança, desemprego, desnacionalização, quebra de empresas.
Na Coréia
Os 30 maiores conglomerados que dominam a economia da Coréia do Sul são responsáveis por 50% do PIB do país. Deles, 13 apresentaram violentos prejuízos no último ano fiscal (encerrado em março). Os demais apresentaram, na média, lucro líquido de 0,2% sobre as vendas. A Kia, que anuncia fábrica no Brasil, está sob intervenção dos bancos, com dívidas de US$ 10 bilhões.

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