São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 1997
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Enfim, uma ideologia

OTAVIO FRIAS FILHO

O principal fenômeno político do ano tem sido, até agora, o surgimento de focos de contestação social que se movimentam à margem da CUT e do PT. Esses mecanismos institucionais foram atropelados tanto pela marcha dos sem-terra como pela rebelião das polícias e tiveram de correr atrás do prejuízo, aderindo às pressas.
PT e CUT estão (estavam?) empenhados em se "modernizar", em acertar o passo com os cenários internacional e doméstico, ambos convergentes em torno das fórmulas do liberalismo econômico. Se não se adaptasse, a esquerda corria o risco de definhar abraçada a duas categorias profissionais sem grande futuro: o funcionalismo e o operariado.
Foi esse raciocínio pragmático que impulsionou o reformismo no PT e ainda mais intensamente na CUT. O eleitorado rejeitava a opção radical, assim como as categorias mais organizadas já não tinham força para impor suas reivindicações. As marchas e motins dos últimos meses, porém, colocam o reformismo em xeque.
A "esquerda" pode agora retribuir à "direita" do partido as mesmas acusações que vinha sofrendo: é a "direita" quem está longe das massas, são os "jurássicos" que aparecem sintonizados com o momento. A retórica do MST, por exemplo, salta a democratização dos anos 70/80 para ir diretamente ao nacionalismo dos 50.
Assim, o fato mais inédito na política, a saber, o ressurgimento da oposição extraparlamentar pela primeira vez em 20 anos, parece que se combina com a mentalidade mais antiga em termos de esquerda, aquela que o PT, antes mesmo da "globalização", já havia superado.
Esse quadro atualiza a leitura do extravagante livro de Gilberto Felisberto Vasconcellos analisado ontem por Marcelo Coelho na Ilustrada. O autor lecionava sociologia na Fundação Getulio Vargas de São Paulo e era tido, naquele final de anos 70, como mestre pensante da Libelu, a poderosa facção trotskista do movimento estudantil.
Depois de uma passagem por este jornal, onde travou contato com Cláudio Abramo e Gláuber Rocha, Vasconcellos entrou em parafuso, foi para Paris, caiu numa espécie de autoclandestinidade. Reaparece com este livro quase clandestino ("O Príncipe da Moeda", Ed. Espaço e Tempo), um ensaio em tom delirante e fantasista.
E ao mesmo tempo fascinante, pela capacidade de associação de idéias do autor e pela excêntrica releitura que ele faz do tucanato, ponto culminante da desnacionalização do Brasil por São Paulo. Cebrap, Fiesp, ABC, USP e a mídia aparecem como forças coligadas da recolonização, que encontrou sua síntese em FHC.
O que desmoralizou a idéia nacional no Brasil foi a incapacidade do povo para se revoltar. Mediunizando Glauber Rocha, esse livro reorganiza os clichês do varguismo com grande força de imaginação. Criou um irracionalismo sociológico que poderia ser a ideologia, ainda que por um lapso, do novo surto de revolta popular.

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