São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Young penetra no 'amor ruim'

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REDAÇÃO

"A luz me quebra as asas e a dor de minha tristeza vai molhando as recordações na fonte da idéia."
A frase de Federico García Lorca não está em "A Sombra das Vossas Asas", de Fernanda Young. Mas o lamento do poeta espanhol poderia andar como uma sombra do segundo livro da escritora carioca, que a editora Objetiva publica neste mês.
Assim como o texto amargurado de Lorca, a obra da autora do bem-sucedido "Vergonha dos Pés" é uma expedição por um amor depressivo. Como prefere dizer Young, "A Sombra..." é sobre um "amor ruim, associado à loucura".
Young, 27, gastou oito meses de escrita compulsiva para descrever a relação bestial entre uma jovem com traços esquizofrênicos e um fotógrafo semiquarentão.
Tudo começa com um trauma -e a autora define o homem como uma "pilha de traumas". Carina, garota roliça e desajeitada que já tinha o discurso pronto para quando ganhasse o Miss Universo, vê seu sonho de "modelo-e-atriz" despencar em uma sessão -paga- de fotos com Rigel, o "melhor fotógrafo do mundo".
Depois de cansar de "encher o cu de Doritos", ela resolve conquistar Rigel e, para isso, começa a se reconstruir.
Ginástica, dietas, operações, estudos, remédios. A velha Carina construiu a nova com mais minúcias do que o cineasta Alfred Hitchcock dispensava às suas personagens femininas. "Carina conseguiu se tornar a mulher perfeita", diz Young.
Ela conquista o fotógrafo, mas se perde dentro de sua própria loucura. Mesmo assim, Rigel não consegue se desvencilhar do amor por Carina. Ambos são fadados a viver "nas sombras de asas, com as penas emboloradas pela falta de Sol".
Em entrevista à Folha, Fernanda Young fala, entre outros temas, de seus primeiros livros, de sua admiração por Hemingway e de seu processo de criação.
*
Folha - É difícil definir um livro com uma frase. Mas em um momento de "A Sombra das Vossas Asas" você escreve que é uma obra sobre a loucura. Essa definição dá conta de sua visão sobre o livro?
Fernanda Young - Acho que sim. O livro trata de um amor ruim. Acredito que todo mundo viveu, e tristes as exceções, histórias de amor ruim com loucura.
Folha - Quais são os elos entre "A Sombra..." e "Vergonha dos Pés"?
Young - Para mim, esses dois formam, ao lado de "Carta Para Alguém Bem Perto" (ainda não publicado) uma trilogia.
Não tenho total consciência do que faz com que, para mim, eles formem um ciclo. Fico receosa de parecer repetitiva por escrever pura e simplesmente sobre o universo que me circunda. Mas não adianta surtar e querer escrever sobre amantes francesas do séc. 17. Só me interessa escrever sobre o que conheço. Não tenho a vontade de escrever sobre o Alasca.
"Asas" é sobre seres humanos. E os seres humanos são todos iguais. Às vezes me questiono se não sou repetitiva, mas mato a questão pensando: Chet Baker, Proust e os Beatles, entre tantos, foram repetitivos.
Folha - Você costuma dizer que começou a escrever muito cedo. Seu personagem Rigel diz que deveria ser um advogado, "só que uma Kodak de plástico, bem vagabunda, presente de Natal de alguém, desviou Rigel dessa sorte cruel". Qual foi a "câmera " que te levou a escrever?
Young - Não sei. Já pensei muito se não criei um mito de que já escrevo desde criança. Mas me lembro que sempre tive muita curiosidade com as palavras, frases, diálogos. Não sei qual a explicação para isso. Volta e meia surjo com uma nova. Por exemplo, uma época cheguei à conclusão de que as almas dos escritores se repetem em corpos diferentes. De tempos em tempos, baixariam em outro escritor.
Folha - Quais teriam baixado em você?
Young - Dos melhores (risos). Talvez de Hemingway. Tenho fascinação por ele. Entre outras coisas, conseguiu mostrar como escrever fácil pode ser complexo.
Folha - Você já disse que escrever não é difícil. Em uma passagem do livro, você fala que escrever não é fácil...
Young - Tenho uma facilidade técnica de desenvolver as minhas idéias. Mas não é fácil a profissão de escrever. Ainda não cheguei a uma conclusão se escrevo para sofrer menos ou para sofrer mais. Não sei se minha compulsão pela escrita me alivia ou me sobrecarrega de mais sofrimento.
Folha - Quanto tempo demorou para produzir "A Sombra das Vossas Asas"? Young - Oito meses. Posso escrever tanto uma página por dia, como passar o dia inteiro escrevendo loucamente. O único método que tento seguir, conselho de Hemingway, é não parar de escrever enquanto não sei o que vai acontecer no dia seguinte. O fato é que escrevo que parece um espírito. Muitas vezes fico impressionada quando releio porque uso palavras que não fazem parte de meu vocabulário.
Folha - É a alma de Hemingway?
Young - Pode ser (risos). Ou às vezes até de escritores atuais, como Milan Kundera. Ele tem uma capacidade que eu tento desenvolver que é a idéia de usar o ensaio no decorrer do livro. Gosto de fazer com que o narrador interceda para falar sobre temas atuais. Fico quase que orgulhosa a crer que eu tenho um estilo.
Folha - Por que quase orgulhosa?
Young - Porque fico constrangida da impressão que eu possa dar de ser uma pivete que está falando muito sobre literatura enquanto lança seu segundo livro.
Folha - Na sua opinião, quanto de "Asas" poderia ser real?
Young - Tudo.
Folha - Mas você acha que alguém convidaria quem bateu em seu carro para subir ao seu apartamento (como no livro)?
Young - Se for uma mulher bonita, eu acho (risos). Você acabou de bater no carro de uma mulher em um sábado, em uma rua tranquila, você é um esteta, a raiva já passou e você viu que não era um taxista, mas uma mulher muito bonita...

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