São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Eternizar a CPMF é um desastre

MAILSON DA NÓBREGA

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou na semana passada uma desastrosa proposta de perpetuação da CPMF.
A decisão me faz lembrar um episódio da Assembléia Constituinte, quando uma de suas comissões aprovou gigantesca aplicação obrigatória de gastos ditos sociais.
O Ministério da Fazenda posicionou-se contra a proposta e por isso recebi a visita do relator. "Ministro, vim tranquilizá-lo". "Estou agradecido, deputado", respondi aliviado. "Estamos conscientemente resgatando a dívida social", continuou ele.
Diante de minha perplexidade, o deputado tentou acalmar-me. "Não seríamos, entretanto, irresponsáveis. Vamos também providenciar os recursos. Aumentaremos o Finsocial (precursor da atual Cofins) de 0,6% para 6%."
A proposta do deputado foi reduzida, mas depois de promulgada a Constituição a alíquota do Finsocial acabou chegando a 2%. Foi um estrago, mas muito inferior ao do justiceiro social.
Os políticos dificilmente entendem um aspecto elementar do processo de tributação: a arrecadação deve causar a menor distorção possível sobre o sistema de preços e a alocação dos recursos da sociedade.
O pior exemplo de imposto ruim é o arrecadado sobre o faturamento, pois incide sobre ele mesmo em cascata. É cobrado na matéria-prima, depois no produto intermediário, no bem final, na distribuição e no consumo final.
Quanto mais complexo for o produto, maior será o número de incidências. Quando o consumidor compra o bem, é impossível saber o valor do tributo impregnado no preço.
Se a alíquota for elevada, aumenta o incentivo à integração vertical. As empresas procuram realizar num mesmo local o máximo possível das etapas do processo produtivo, para economizar o tributo. A perda de eficiência é inequívoca.
As incidências em cascata são contra o desenvolvimento, pois inibem os ganhos de produtividade. Conspiram contra a competitividade, pois os produtos não podem ser desonerados do valor dos tributos, como é normal em qualquer país.
A descentralização produtiva é a característica marcante da economia globalizada. Na contramão, o imposto em cascata induz à descentralização.
Dois tributos foram criados para resolver o problema: o cobrado apenas na etapa final (o "sales tax" norte-americano) e o arrecadado ao longo da cadeia produtiva (o imposto sobre o valor agregado -IVA, adotado na França na década de 50).
O Brasil foi um dos pioneiros do IVA. Sob a liderança do ministro Octávio Gouveia de Bulhões, nosso IVA foi criado em dezembro de 1965. Tornamo-nos o primeiro da América Latina e chegamos à frente da maioria dos países industrializados.
O sistema tributário de 1965 tinha dois defeitos: preservava os impostos únicos sobre minerais, combustíveis, lubrificantes e energia elétrica e criava um IVA em dois níveis, um federal (IPI) e outro estadual (ICMS), o que até hoje cria problemas.
Era, contudo, um avanço de anos luz. Deixou para trás os tributos em cascata, medievais, baseados apenas nos aspectos jurídicos, em favor de outros, modernos, que consideravam os aspectos econômicos e as tendências internacionais.
Infelizmente, a modernidade durou pouco. Na década de 70, criou-se o PIS/Pasep, e na de 80, o Finsocial. Esse último, instituído contra o parecer da Fazenda, tinha no seu início uma alíquota "inofensiva" de 0,5%. Quadruplicou em menos de 15 anos.
O Finsocial repetiu a experiência do imposto de vendas ao consumidor -IVC, criado na década de 30 também com a alíquota de 0,5%. Quando foi extinto, com a reforma de 1965, já era de quase 10% em alguns Estados.
Para não irritar os leitores, deixarei de repisar os aspectos negativos da CPMF e os argumentos que apresentei nesta coluna contra a sua instituição provisória. Infelizmente, a maioria dos seus efeitos perversos se confirmou.
Não resisto, contudo, a lembrar que ela é uma anacrônica incidência em cascata, com um defeito a mais: cobrada sobre as transações financeiras, interfere nefastamente no processo de intermediação. Tem efeito inibidor muito maior sobre o desenvolvimento.
Espera-se que o Senado detenha essa barbaridade, que eternizaria um custo social iníquo. Mais tarde, por sua facilidade de arrecadação, poderia tornar-se um novo IVC. O pior é que a proposta vem rotulada de "social".

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