São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Réquiem para Gustavo Loyola

JAIRO SADDI

Gustavo Loyola, presidente do Banco Central, pediu demissão de seu cargo. Exemplar profissional e dedicado servidor público, merece que se faça um réquiem em sua homenagem.
Não se pretende aqui nenhuma ironia. Ele continua bem vivo e, esperamos, com muita saúde. A expressão réquiem advém do latim, significando "repouso, descanso": é parte do ofício dos mortos, na liturgia católica, que principia com as palavras latinas "requiem aeternam dona eis", "dai-lhes o repouso eterno"; com exceção do eterno, ele merece um descanso.
Sob sua batuta, o Banco Central sofreu os mais virulentos bombardeios e avassaladoras críticas. Proer, bancos Econômico e Nacional, o "affair" da pasta rosa, a CPI dos Precatórios, enfim, foram tantos problemas e tensões que somente nos resta desejar que o senhor Loyola tenha um repouso como autoridade monetária.
Isso porque sua gestão foi marcada pela transparência e pela sinceridade. Sem avaliar o mérito de suas ações, é indiscutível que ele foi corajoso e imprimiu uma direção firme aos destinos monetários da nação.
Como funcionário de carreira do Banco Central, Gustavo Loyola, que já ocupara a cadeira de presidente anteriormente, contribuiu para tentar mostrar à sociedade o verdadeiro papel de um banco central. Está certo: enfraqueceu-se e cometeu erros, como era de esperar de um ser humano -ainda mais um ser humano no Planalto, onde poucos têm o apoio explícito do príncipe, mas enfrentou tantas e tamanhas crises com galhardia que tem direito a uma menção de louvor por ter passado incólume por todas elas debaixo de tantas críticas.
No entanto, a instituição Banco Central sai dessa crise enfraquecida.
Incapaz de granjear o apoio da população social, já que todos os seus diretores se esmeram em comunicar-se mal (inclusive ele, Gustavo Loyola, tímido e retraído, sempre desconfortável com a árdua e inglória tarefa de se comunicar com o público), o Banco Central ainda precisa provar que cuidar da moeda é o seu forte. Não o forte do banco, que não anda lá com tantas forças assim, até por não conseguir manter em seus quadros profissionais de calibre, mas o forte da sociedade, a moeda estável que determina a ordem monetária da sociedade.
Além disso, convenhamos, o Brasil continua com recordes de rotatividade de seus presidentes de Banco Central, e, numa época de estabilidade, FHC já teve dois: Persio Arida e Gustavo Loyola. Agora, entra Gustavo Franco e a certeza de que a política cambial não será alterada.
O Banco Central sai enfraquecido com a saída de Loyola porque está incapaz de resistir às pressões políticas externas. E a união de política e moeda estável é perigosa e deveria ser evitada a qualquer custo.
Um banco central digno deveria poder privatizar o Banespa, liquidar bancos na beira da insolvência, conduzir a política monetária com firmeza e negar financiamento ao Tesouro, inclusive como preceitua nossa Constituição. E seus mandatários não serem removidos caso enfrentem o desagrado de qualquer dos atores sociais.
Gustavo Loyola sai porque está cansado. E com uma certa dose de razão a seu favor. Seus esforços para resolver alguns assuntos estavam sempre beirando a incerteza tucana de tentar aplainar ânimos, acertar diferenças e acomodar interesses conflitantes. E, como se pode depreender, esforços sem resultados frustram e exaurem. Não é possível guardar o bolo e comê-lo ao mesmo tempo.
Faltou a ele, Loyola, conduzir aquilo que poderia ter sido seu verdadeiro legado: a modernização do Banco Central para enfrentar os grandes desafios do próximo milênio.
A julgar pela recente crise dos países asiáticos, os bancos centrais ainda têm muito a aprender. O início poderia ter sido a discussão do projeto Saulo Queiroz, que regulamenta o artigo 192 da Constituição e dá ao banco uma nova feição.
Que Gustavo Franco se conscientize de sua verdadeira missão e, com a energia que lhe é própria, concentre suas baterias para conduzir o Banco Central à verdadeira e legítima função de guardião da moeda que queremos ver entre nós.

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