São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Disney 'adota' artista brasileiro

ELAINE GUERINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O universo mágico de Walt Disney está nas mãos de um artista plástico brasileiro. Depois de Andy Warhol, Keith Haring e Roy Lichtenstein, o pernambucano Romero Britto, 33, retoma a tarefa de inserir os astros do estúdio no contexto da arte pop.
Mediante acordo com a Disney, Britto passou a interpretar seus personagens, inspirando-se primeiramente na imagem do ícone Mickey Mouse. A primeira experiência, intitulada "Mickey's World", já está à venda em serigrafia nos EUA, Japão e Europa, ao custo médio de US$ 2 mil.
A autorização foi dada pela Walt Disney Art Classics, localizada em Burbank (Califórnia). Trata-se da divisão responsável pela associação do estúdio com artistas plásticos independentes.
"O uso inovador das cores e das formas nas telas de Britto proporciona interpretações encantadoras dos nossos personagens. Ele é um artista talentoso e um grande fã da Disney", declarou Tom Park, vice-presidente da divisão, em fax enviado à Folha.
Britto adaptou a figura de Mickey Mouse ao seu estilo -que ele define como o novo cubismo pop. O artista desenhou o personagem sobre um fundo de composições abstratas, cores vibrantes e contornos em negrito, tomando a liberdade de mudar o figurino e esconder o seu rosto sob uma imagem do globo terrestre.
Inédito
"É a primeira vez na história que a Walt Disney deixa um artista representar Mickey Mouse sem mostrar a sua cara", afirmou Romero Britto, em entrevista concedida por telefone desde seu ateliê em Miami, na Flórida.
A partir do original, em óleo sobre tela, a Disney produziu 50 provas de artistas (avaliadas em US$ 2,5 mil cada) e 500 serigrafias. "O próximo passo é usar o meu trabalho para estampar camisetas, canecas, relógios e toda a parafernália Disney", contou Britto, que mora nos EUA há 11 anos.
Por determinação da Disney, o artista não pode revelar a base ou o valor do acordo. Ele só adianta que o original de "Mickey's World", atualmente na pinacoteca do estúdio, está avaliado entre US$ 40 mil e US$ 50 mil -faixa de preço normalmente cobrada dos clientes de Britto por um trabalho do mesmo tamanho (1m22 x 1m52).
O pintor trabalha atualmente em sua segunda interpretação. A idéia, já aprovada pela Disney, é desenhar Mickey e Minnie dançando tango na Golden Beach da Flórida.
Depois de pronta, a pintura segue a trajetória da primeira criação -envolvendo provas de artista, serigrafias e estampas em artigos da empresa.
Sua terceira proposta é colocar o casal de ratos dirigindo um simpático calhambeque ao redor do mundo. "Sinto-me privilegiado com a possibilidade de levar os personagens ao público em forma de arte. Afinal, Mickey e Minnie nasceram como expressões artísticas de Walt Disney."
70 anos
O artista ainda foi incumbido de mais uma tarefa pelo estúdio: criar uma logomarca para comemorar os 70 anos que Mickey Mouse completa no ano que vem. "Acho que o mais adequado para representar bem essa data é colocar Mickey no palco, no alvo dos holofotes", adiantou.
Para seguir o padrão de qualidade Disney, toda criação de Britto é submetida a uma comissão do estúdio. "O processo é longo e sistemático. Primeiro, faço os esboços. Depois, o desenho sem cor e, na sequência, aplico as cores. Só começo a trabalhar na tela quando toda a composição é aprovada."
O estúdio não interfere no processo criativo. "O interesse deles nessa associação com artistas está justamente na possibilidade de contar com diferentes interpretações. Eles querem abranger o maior número de pessoas com os seus personagens e eu quero ampliar o alcance da minha arte. A combinação é perfeita", afirmou.
Britto não teme comparações com o seleto grupo de artistas que o antecedeu na missão de interpretar a figura de Mickey. Um dos trabalhos mais famosos foi a série Andy Mouse criada por Andy Warhol e Keith Haring em 1986. Os desenhos fundem a cabeça de Warhol ao corpo de Mickey. "Fico satisfeito só por entrar nessa galeria de celebridades."
Britto encara seu acordo com a Disney como uma ironia do destino -lembrando que seu grande sonho de infância era visitar a Disneylândia. "Sendo o sétimo filho de uma família com nove, minha realidade no Recife era muito diferente da vida que levo hoje. Não tinha onde cair morto."

LEIA MAIS sobre Romero Britto à pág. 4-3

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