São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Nanini e Celulari celebram as coincidências

DANIELA ROCHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles não aceitariam trocar de papéis no teatro, mas uma série de coincidências marcam este momento da carreira dos atores Edson Celulari e Marco Nanini, ambos em cena em São Paulo com textos de Molière.
"Fazemos Molière no teatro e dividimos a mesma mulher na TV", afirmou Celulari, referindo-se à minissérie da Globo "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (ainda sem data definida para ir ao ar).
Celulari interpretou no seriado o intrépido Vadinho, um sedutor de Dona Flor -até depois de morto- e agora faz outro sedutor, Don Juan, de Molière.
Nanini fez o papel do farmacêutico Teodoro -o segundo marido de Flor, na minissérie da TV- e, no palco, faz o hilário Senhor Jourdain, o Burguês Ridículo.
Amigos na vida real -o primeiro trabalho que eles fizeram juntos foi a novela da Globo "Um Sonho a Mais" (1985)-, eles geralmente se encontram nos estúdios, mas sempre conversam por e-mail.
Sem poupar elogios, eles disparam: "Nanini é muito disciplinado e troca o prazer de estar atuando. É altamente estimulante trabalhar com ele. Ele é muito estudioso, traz tudo anotado", afirmou Celulari.
"Edson é tudo isso que ele disse que eu sou, mas, além de disso, ele é extremamente educado, que é muito raro", "replicou" Nanini.
A Folha reuniu os dois para uma conversa sobre seus papéis no teatro e na televisão.
*
Folha - Vocês se assistiram? Um viu o espetáculo do outro?
Edson Celulari - Eu tive a sorte de ter o Nanini na platéia. Quando eu estreei, ele já estava em cartaz, e era no mesmo horário...
Marco Nanini - ...Mas aí pegou fogo no teatro onde eu estava e eu fui ver "Don Juan" (risos).
Celulari - Já fui esclarecendo para ele que eu não tenho nada a ver com o fogo.
Folha - Em São Paulo, aconteceu de vocês dois estarem em cartaz com textos de Molière. Além disso, as montagens de formatura da Escola de Arte Dramática foram textos de Molière, "Tartufo" e "Farsas e Improviso". Cacá Rosset está preparando outro Molière, "O Avarento" para estrear este ano...
Nanini - Eu tenho a impressão que esses autores ficam na cabeça dos atores. Agora estou vendo que vai ter uma onda de Tchecov...
Celulari - Mas as sintonias acontecem fora dos limites do Brasil. Quando fiz "Calígula", havia várias montagens, em vários lugares do mundo, do mesmo texto. Talvez determinado momento seja adequado para se montar determinado autor ou texto.
Folha - Além de protagonizar os espetáculos de Molière, vocês dois são produtores das peças. Por quê?
Nanini - A figura do produtor teatral não existe mais. Aí o ator ou o autor tem que se mexer para produzir os espetáculos. É difícil produzir. Tem muito gasto.
Celulari - Para o tipo de espetáculo que fazemos, produções com 20 pessoas, produzir é uma loucura. Mas me dá prazer em produzir o fato de eu poder escolher a equipe para trabalhar. Por outro lado, é uma tarefa chata, existe a preocupação de ter que dar certo para poder pagar os funcionários...
Nanini - Um personagem como o Senhor Jourdain e como Don Juan já dão trabalho demais para nós. Não se faz nada sem equipe. A gente aglutina por causa do nosso nome. Mas sou péssimo em conta e preciso de alguém para isso. Vou fazer conta de dois mais dois não sei onde é o mais na calculadora.
Folha - Vocês tiveram seus projetos aprovados pela Lei Rouanet para captação de recursos?
Celulari - Todos os patrocinadores usam esse benefício.
Folha - O fato de serem atores conhecidos facilita a obtenção de patrocínios?
Celulari - É relativa a coisa do nome. É claro que pode abrir uma porta, mas se não tivermos um bom produto, o público não compra, não adianta. Eu mesmo tive de estrear e encenar dois meses sem patrocínio algum.
Nanini - Foi complicadíssimo conseguir patrocínio. Mandei o projeto para milhares de empresas. Só agora estão começando a aparecer empresas que despertam para a idéia de que o marketing cultural é importante. O marketing cultural não devolve dinheiro às empresas. O que fazemos é trocar uma idéia, um resultado artístico, por um patrocínio. Até que as empresas tomem isso como uma coisa normal, é complicado. A gente já é conhecido, mas são inúmeros os grupos talentosos que estão desconhecidos por falta de patrocínio.
Folha - Quanto custou "Don Juan" e "O Burguês Ridículo"?
Celulari - "Don Juan" custou R$ 240 mil.
Nanini - O meu foi R$ 600 mil, incluindo as permutas.
Folha - O que os leva a fazer teatro? Fazer televisão não basta?
Celulari - Fazer teatro não basta. Queremos TV, teatro, cinema, rádio. Mas, para mim, fazer teatro é abrir a possibilidade de eu expressar a minha opinião.
Nanini - Eu preciso ir para o palco. As dificuldades do palco são muito grandes. Porque repetir e, na repetição, descobrir mais coisas é um exercício extraordinário para o ator. Além de ser equivalente a fazer uma prova pública por dia.
E também tem essa coisa caseira, meio mambembe, poeticamente artística de viver sempre no precipício, de estar sempre no risco, de produzir, gerar emprego, de fazer o papel que quiser, de ter controle maior. Já a televisão é uma indústria. Gosto de fazer o exercício da TV, mas preciso do palco.
Celulari - Comecei a atuar em Bauru e vim para São Paulo fazer a escola de teatro. É um exercício da liberdade fazer teatro. Na TV, o que faço não é meu.
Folha - Por que vocês escolheram fazer neste momento comédia?
Celulari - Acho que a humanidade ganha muito com o riso. É difícil fazer rir. Quero me exercitar como ator fazendo comédia.
Nanini - Eu faço também drama, mas é que a comédia é mais avassaladora, apesar de ser considerada menor. Mas para mim é meio confuso, porque eu não consigo fazer a comédia sem me desligar do lado trágico do personagem. A base da comédia do Senhor Jourdain é o trágico. A comédia é o resultado da exposição do trágico.
Folha - Qual a sensação interna que vocês têm ao ouvir o terceiro sinal, antes de entrar em cena?
Nanini - Você já subiu num cadafalso? É isso, sendo que a morte pode ser maravilhosa. É a sensação de você ir para o vazio. Está tudo certo, som, luz, marcação. Mas isso vai repercutir como naquele público, naquele dia?
Celulari - É a adrenalina máxima. Depois de fazer o espetáculo, não consigo dormir.
Nanini - Fui dormir às cinco e meia, com remédio. Acaba a peça e eu estou pronto para ir correr no Ibirapuera.
Folha - Por viver tão intensamente os personagens, como fica a relação de vocês com eles?
Nanini - O personagem é um invasor horrível. Nunca senti o personagem tão próximo como recentemente. Foi uma dificuldade para ele se entender comigo. Agora acontece um problema que é eu levá-lo para casa. Ou seja: estou ficando grosseiro, "entrão".
São as características negras do Senhor Jourdain que no palco uso como base para jogar a poesia dele. Pensei: "Será que estou pegando o porão do Senhor Jourdain?". Mas isso é coisa para analista resolver.
Folha - Acontece isso com você?
Celulari - Se acontecesse, já teria acabado o meu casamento por causa do Don Juan. Tento direcionar essa libido toda para minha mulher (a atriz Claudia Raia). Ainda mais unindo à libido do Vadinho de "Dona Flor", teremos 12 filhos nos próximos cinco anos! (risos) Mas tem isso sim, o personagem fica em você, vira uma companhia constante...
Nanini - Um monstro. Antes eu controlava tudo. Agora ele faz sozinho e me põe para escanteio.
Celulari - Nesse sentido, fazer dois personagens é bom.
Folha - Mas personagens de TV invadem também?
Celulari - Às vezes, sim. Foram quase cinco meses de trabalho, impregnados de Vadinho. Fazia o Don Juan, às vezes, com o Vadinho. Era um tal de sotaque baiano aqui ou ali, um inferno.
Nanini - Graças a Deus, o Teodoro e o Senhor Jourdain não se dão. Eles não gostam um do outro e se evitam, se não, não sei o que seria. Mas os personagens do Edson têm vários pontos em comum.
Celulari - É engraçado. O Vadinho é o oposto de Don Juan, apesar de ambos estarem em sintonia com relação à sedução, à libido. Vadinho é safado, malandro, moleque, e Don Juan é o personagem que transgride porque quer trevas.
Nanini - Eu relutava para que o Senhor Jourdain tivesse a infantilidade, mas é o que é mais bonito dele. A ingenuidade o torna um ser patético e poético.
Folha - O que seria se vocês trocassem os papéis: Celulari assumisse o Senhor Jourdain e Nanini, o papel de Don Juan?
Nanini - Não estaria preparado para fazer Don Juan. É um papel muito complexo, não que Senhor Jourdain não seja, mas o Don Juan é muito mais. Don Juan é um dos personagens mais bem construídos e mais difíceis de Molière. "Don Juan", "Tartufo" e "O Misantropo" são as peças mais celebradas dele.
Eu precisaria de um tempo enorme para fazer... O Don Juan é muito difícil... E, fazendo o Senhor Jourdain agora... Assim, esse jogo, de repente... (risos nervosos)
Celulari - Como seria o encontro do Senhor Jourdain com Don Juan? Acho que Don Juan iria querer humilhar o Burguês Ridículo...
Nanini - Acho que não, acho que ficariam muito amigos. Porque Don Juan é um homem completamente amoral, sem censura e ele seria benevolente com o Senhor Jourdain, que ficaria excitadíssimo de conhecer o Don Juan, uma pessoa que transgride, que tem várias mulheres.
Celulari - É impressionante a capacidade de um mesmo autor de peças tão sofisticadas e que, ao mesmo tempo, são tão fluentes, e, por isso, populares.
Nanini - Tenho vontade de fazer "O Misantropo", só que quando estiver mais velho. Espero que não tenha que correr tanto quanto corro em "O Burguês Ridículo".
Folha - Vocês praticam esporte?
Nanini - Eu faço tênis no computador enquanto espero que lancem a pílula das 300 flexões. Mas ainda vou malhar. Andar daqui ali, para mim, já é malhar.
Celulari - Eu malho e nado de vez em quando. Para fazer o Vadinho tive que perder peso, porque exigia que eu expusesse um corpo seco...
Nanini - Ninguém aguentava mais ver o Edson andando nu no estúdio (risos).
Celulari - Nem eu me aguentava mais. Tomava banho, inclusive, com roupa, para ficar uma coisa diferente. (risos)

Peça: O Burguês Ridículo
Com: Marco Nanini, Ary França, Betty Gofman e elenco
Quando: sex e sáb, às 21h, dom, às 18h
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/258-3616)
Quanto: R$ 25

Peça: Don Juan
Com: Edson Celulari, Cacá Carvalho e elenco
Quando: de qui a sáb, às 21h, dom, às 18h
Onde: Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 15, tel. 011/288-0136)
Quanto: entre R$ 15 e R$ 30

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