São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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Produção intelectual do poeta é digna de nota

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Federico García Lorca foi um dos poetas mais representativos deste século. De tempos em tempos, sua obra nos convoca, e somos obrigados a migrar para o país longínquo de sua poesia.
Sob as máscaras mais inusitadas, ele reensaia bodas de sangue, salta de dentro do "cante jondo" da cultura e celebra em cada verso a metáfora trágica da criação.
O fuzilamento de Lorca projetou sua obra em escala mundial. A notícia de sua morte circulou como se ele fosse o protagonista de um de seus poemas do "Romanceiro Gitano" (1924-1927), adquirindo o caráter quase anônimo daqueles textos que conhecemos de memória.
Por isso, contra quem tenta diminuir a importância de sua obra, é preciso argumentar que, se por um lado, a morte ajudou a difundi-la, de outro, o mito do poeta assassinado contribuiu e muito para ofuscar outras manifestações de sua atividade artística.
Em primeiro lugar, é digna de nota a sua produção intelectual. Catalogado de modo equivocado como poeta inspirado, dado a improvisos e rasgos confessionais, jamais descuidou das questões formais.
Sem querer transformá-lo num poeta mental, é preciso lançar luz sobre os ensaios e conferências que proferiu ao longo de sua vida, entre elas, "A imagem poética de Don Luís de Góngora", que ajudou a revelar a importância central da lírica barroca.
Muito além do diletantismo, Lorca também recompilou, analisou e revalorizou o cante jondo, chegando inclusive a organizar, com Manuel de Falla, em 1921, um concurso do primitivo canto andaluz. No campo das artes plásticas, demonstrou em "Sketch da Nova Pintura" estar em dia com as idéias cubistas e surrealistas, profetizando sobre a importância futura de Miró.
Um fascínio pela morte será a razão e a beleza de suas metáforas. Ela ronda os desfechos trágicos de suas peças teatrais, vibra em cada traço mutilado de seus desenhos, habita no centro da arena de seus poemas. Espécie de musa medusada, a morte penetra toda sua obra, desde o "Livro dos Poemas" (1921) até seus últimos trabalhos, como "Poeta em Nova York" (1929-1930), um dos marcos da poesia moderna.
O que impressiona é sua capacidade para promover uma grande síntese cultural, fazendo convergir os elementos mais díspares: tradição culta e popular, teatro e pintura, realidade local (regiões e dialetos da Espanha) e grandes centros, poesia pura e poesia social. É esse poder de articular diferentes universos que o mantém moderno e atual.
Lorca encontrou no Brasil alguns leitores privilegiados. Carlos Drummond de Andrade redigiu, na época, um dos raros artigos sobre a "Morte de García Lorca", além de escrever dois poemas em sua homenagem: "A Federico García Lorca" e "Notícias da Espanha".
Murilo Mendes também deixou registrada sua leitura em "Canto a García Lorca", incluído em "Tempo Espanhol". No âmbito teatral, Lorca está bem representado: Drummond traduziu "Dona Rosita, a Solteira"; Cecília Meireles, "Bodas de Sangue"; fechando a trinca, João Cabral, "A Sapateira Prodigiosa".
No início deste ano, com tradução de William Agel de Mello, a Martins Fontes publicou a terceira edição bilíngue da "Obra Poética Completa de García Lorca", acrescida de poemas inéditos divulgados recentemente na Espanha.
Para quem quiser saber mais a respeito de sua vida e obra, recomendo a melhor biografia já escrita sobre ele, do hispanista irlandês Ian Gibson. No Brasil, há a versão reduzida pelo próprio autor, publicada pela editora Globo.

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