São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Roberto Farias filma saga de Roosevelt e Rondon na selva

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine o inimaginável: um ex-presidente norte-americano, do tipo durão, se embrenha nas selvas do Brasil para mapear um rio perdido e caçar.
Tem por companhia um mato-grossense de sangue indígena, ilustre explorador de florestas tropicais, e outros tantos caboclos.
Fica seis meses na mata, driblando o calor, a comida escassa e a malária -que, afinal, o atinge.
Volta da expedição em frangalhos, com sequelas da febre e uma teimosa infecção na perna.
A aventura, hoje quase esquecida, aconteceu de verdade -e marcará o retorno de Roberto Farias à direção cinematográfica, depois de uma década sem filmar.
O ex-presidente que se meteu na enrascada, Theodore Roosevelt, governou os EUA entre 1901 e 1909, por dois mandatos e com uma irrefreável disposição imperialista.
Em 1904, inaugurou oficialmente a política do "big stick" (ou "grande porrete"), que lhe garantia o direito de intervir nos países latino-americanos sob o pretexto de "manter a estabilidade continental".
Cuba, República Dominicana e Colômbia (para citar apenas três nações) souberam, desde logo, que a estratégia ia muito além da retórica.
Quando se tratava de negociar com estrangeiros, o estadista de origem nova-iorquina não hesitava em lançar mão do mote que o tornou famoso (e de onde se originou a expressão "big stick"): "Fale manso, mas carregue um grande porrete".
Por ironia, entre 1913 e 1914, se viu agonizando justamente numa das "áreas de influência norte-americana": a Amazônia. Foi salvo pelos homens que respondiam às ordens do sertanista, geógrafo e então coronel Cândido Rondon, natural de Morro Redondo (MT) e descendente dos índios guanás, terenos e bororos.
Fascinado pela "inegável carga simbólica do episódio", Roberto Farias -cineasta de 65 anos que assinou o célebre "Assalto ao Trem Pagador"- resolveu levar a façanha às telas.
O longa-metragem carrega, por enquanto, o título de "O Hóspede Americano". O banco Liberal, do Rio, iniciará em breve a captação de recursos para o filme, que vai usufruir das leis de incentivo fiscal.
Na semana passada, a instituição financeira firmou um contrato com a R.F. Cinema e TV, produtora que tem como sócios o próprio Roberto e seus dois irmãos, Riva e o ator Reginaldo Faria.
Estima-se que o longa custará R$ 7 milhões. É uma cifra alta para os padrões nacionais -supera, por exemplo, os R$ 6,5 milhões que o diretor Sérgio Rezende gastou com o ainda inédito "Guerra de Canudos", um dos filmes mais caros que já se realizou no país.
O orçamento elevado se explica, em parte, pelas pretensões realistas de "O Hóspede Americano". Farias pretende rodar muitas das cenas nos longínquos recantos que Roosevelt e Rondon percorreram.
As filmagens deverão começar somente em 98. De olho no mercado internacional, o longa não contará apenas com atores brasileiros. Recrutará pelo menos oito estrangeiros, provavelmente dos EUA. O diretor, porém, não adianta nenhum nome. "É muito cedo."
Como outras produções do gênero, "O Hóspede Americano" terá diálogos em dois idiomas: o inglês e o português.
Rondon e Roosevelt, no entanto, usavam uma terceira língua para se comunicar, o francês.
O inusitado encontro da dupla se deu por iniciativa do ex-presidente. Em 1913, Teddy -como muitos o chamavam- manifestou o desejo de caçar no Brasil.
Pretendia incrementar o Museu de História Natural de Nova York com aves e mamíferos das florestas tropicais. O governo de Hermes da Fonseca tratou, então, de convocar Rondon para a empreitada.
Experiente, o sertanista já espalhara linhas telegráficas pelos grotões mais remotos do país. Aceitou a tarefa, com uma condição: aproveitar a oportunidade para descobrir o tamanho do rio da Dúvida.
Supunha-se que nascia perto de José Bonifácio (hoje, município de Rondônia), mas não se fazia nenhuma idéia de onde desembocava -daí a dúvida que o batizou.
Em dezembro de 1913, o político de Nova York, seu filho Kermit e outros seis norte-americanos (incluindo um padre e o naturalista George Cherrie) se juntaram à delegação brasileira, formada por militares, canoeiros e cientistas.
A bordo do navio Nioac, os mais de 30 integrantes da missão deixaram a foz do rio Apa, na fronteira do Mato Grosso com o Paraguai, e seguiram rumo à Amazônia.
Encerraram a aventura somente em maio de 1914, quando conseguiram delimitar todo o rio da Dúvida -que, agora se sabe, tem 1.500 km de extensão. Brota em Rondônia, cruza o Mato Grosso e morre no Amazonas. Perdeu o nome enigmático do passado e ganhou o de rio Roosevelt.
Ainda em 1914, o ex-presidente, então com 56 anos, publicou um relato da viagem: "Through the Brazilian Wilderness" (traduzido como "Nas Selvas do Brasil").
O livro dá uma idéia do quanto o estadista penou. Enfrentou febres e desidratação, quase perdeu o filho num acidente de canoa, passou fome e presenciou a disputa de dois barqueiros por comida, que culminou com o assassinato de um deles (leia trecho à esquerda).
Em um dos momentos mais dramáticos da jornada, rogou que o abandonassem porque não tinha forças para prosseguir. Os comandados de Rondon fingiram-se de surdos. Levantaram Teddy do chão e o carregaram pela mata.

Texto Anterior: Produção intelectual do poeta é digna de nota
Próximo Texto: 'Meus filmes não podem falhar'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.