São Paulo, sexta-feira, 1 de agosto de 1997
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A crise das PMs

JOSÉ SARNEY

Não podemos fazer a política da avestruz, nem mesmo a do "nada comigo", com a grave e até agora insolúvel crise das polícias militares de quase todos os Estados, rebeladas em busca de melhores soldos.
Na Antiguidade, a única motivação das tropas era o dinheiro, participação e possibilidade de saque, uma parte do butim. A história está cheia de rebeliões contra generais vitoriosos que não pagavam seus soldados.
A existência de tropas organizadas, disciplinadas, com formação profissional corresponde à existência do Estado-nação, o Estado moderno, de estrutura recente. Nesses, nada de tropas eventuais e mercenárias.
Há uma ruptura da disciplina, mas há um problema verdadeiro que com muita lucidez foi enfocado pelo general Cardoso, chefe da Casa Militar da Presidência. O problema verdadeiro é a crise da Federação.
A União é formada por Estados e municípios. Querem descobrir uma forma de os municípios e Estados irem mal e a União, muito bem. É uma contradição, uma equação que não fecha.
Os problemas das grandes cidades se avolumam, com êxodo rural, inchaço das periferias com a consequente formação de bolsões de miséria que, sem condições de trabalho, marcham para a marginalidade e a contravenção. É a violência das grandes cidades, o problema das drogas, do crime organizado, da degradação do ser humano.
Os Estados despreparados, sem recursos, são acossados por planos de estabilidade, cuja fórmula também não fecha: o Estado deve sair de tudo, fechar tudo, ficar pequeno e qualitativamente incapaz de prestar serviços e, mais ainda, retirar o emprego de todos, pois esse é o segredo do sucesso da sociedade moderna e da economia de competição.
Perderam os Estados e municípios uma parte ponderável do fundo de participação (a principal fonte dos pobres); outra parte dos seus recursos foi retirada pelo chamado Fundo Social de Emergência, que é tão injusto e envergonhado que trocou de nome três vezes, para ser, hoje, Fundo de Estabilização Fiscal (FEF). Emergência que, como a CPMF da Saúde, é definitiva.
O ICMS da exportação foi retirado dos Estados e municípios (que tinham uma cota constitucional). A verdade é que os Estados e municípios, agora, sobrevivem apenas com cerca de 60% dos recursos que recebiam em 1990!
Isso é possível? Não, não é. A crise das polícias militares tem razões mais profundas que não podemos esquecer.
É irreal pensar que essa onda generalizada é questão de disciplina. Se assim o fosse, seria a constatação de que o governo globalizado, Estados, municípios e União, indissolúveis, estariam apodrecidos, o que não ocorre. Não é questão de gestão, é questão de estrutura: a Federação está liquidada!
Como dizia Tobias Barreto, no seu discurso aos de "manga de camisa": "É difícil falar dos que têm fome".

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