São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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Britto cobra ajuda imediata do governo

ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Governador critica o PT e pede compensações da União para poder responder às demandas sociais

Em guerra aberta com o PT, o governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto, reivindica do governo federal as armas para os combates mais imediatos, que vêm levando para as ruas funcionários públicos, policiais civis e militares, 'além de sem-terra e pequenos agricultores.
"Nós montamos coisas maravilhosas com o governo federal. Mas para 2010, 2020. A questão é saber se os soldados e os professores aceitam voltar às ruas só em 2020", advertiu Britto, em entrevista à Folha, sexta-feira, no Palácio Piratini (sede do governo gaúcho).
Ele, do PMDB, e Mário Covas, do PSDB, lideram a pressão dos governadores para que Brasília compense os Estados que se julgam prejudicados com o fim do ICMS sobre as exportações.
Sem isso, garantiu Britto, pouco há a fazer para responder às crescentes demandas sociais, que considera justas. "Nós estamos no inferno astral", disse. "Somos reféns da impotência."
No meio da entrevista, ele recebeu um telefonema do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Disse-lhe que tinha tomado "medidas duras" e que "a fase aguda" da crise das polícias Civil e Militar já tinha passado.
*
Folha - O sr. é candidato à reeleição?
Antônio Britto - Não. Não quero. No país, me parece impossível que alguém consiga administrar em quatro anos. Nos Estados, é altamente possível desenvolver um programa num período curto assim. Nós, no Rio Grande do Sul, achamos suficiente para fazer as reformas necessárias.
Folha - Por pesquisa Datafolha, o sr. está em oitavo lugar entre 12 governadores pesquisados. Não fica parecendo que o sr. está fugindo da raia?
Britto - As pesquisas não são desfavoráveis, e no pior momento, quando em todos os Estados se concilia um aumento da demanda social, por obras, por exemplo, com as consequências ruins das reformas. Nós, os governadores, estamos no inferno astral. Mesmo assim, há um nível de aceitação muito bom para o governo num Estado crítico como o Rio Grande do Sul.
Folha - O que o sr. quis dizer com "um Estado crítico"?
Britto - É uma qualidade da população gaúcha, que sempre desfrutou de níveis de educação e de participação acima da média nacional. É natural que haja muita discussão, muita polêmica, muita afirmação.
Folha - Somando PT, PM, Polícia Civil, funcionário público e MST, o sr. se sente sitiado?
Britto - Não. Eu sempre ridicularizei muito o "coitadismo" (verbete inexistente no "Aurélio") de quem vai para o governo. O sujeito se elege e depois fica reclamando que está cheio de problemas. Não dá.
Folha - Mas o sr. acabou de reclamar da soma do aumento da demanda social com as consequências do enxugamento da máquina. É isso que transforma os policiais em manifestantes?
Britto - O que que aconteceu nesses últimos dias? Em nível nacional, nós estamos vivendo uma situação muito perigosa, para a qual o governo federal e todos nós precisamos prestar mais atenção.
Há um descompasso entre a velocidade das demandas sociais e a demora absurda em dotar os Estados de condições para atender a essa demanda. E, aí, não adianta a saída fascista de culpar a demanda. Tem que culpar é a demora das reformas.
Folha - E de quem é a culpa?
Britto - É de todos nós. Não tem saída. Ou a gente apressa as reformas ou adia as demandas. Mas como adiar as demandas da população por segurança, saúde, educação e emprego? E, em nível regional, a gente teve uma outra coisa, absolutamente incomum na história do Rio Grande do Sul, que é uma perda de limite por parte do PT. Nenhum de nós quer que não haja crítica, oposição, mas não é possível que em nome disso se parta para invadir o plenário da Assembléia Legislativa.
Folha - A polícia gaúcha está, digamos, contaminada pelo PT?
Britto - Há um grande equívoco nisso. A polícia não invadiu o plenário. A invasão foi comandada pelo presidente da CUT, pelo sindicato dos professores e outros sindicatos. Eram todos petistas de carteirinha. Não é possível que não haja controle, por parte das pessoas que fizeram o PT, a começar do próprio Lula, de uma linha maluca que vai prejudicar muito o partido. Como é que eles podem fechar os olhos quando alguém do PT vai lá e invade um plenário e põe os deputados a correr? E se a moda pega? O PT é essencial ao país, como uma oposição democrática, ativa, de esquerda. Mas se esse patrimônio cair na mão de maluco, meu Deus do céu...
Folha - O sr. quer dizer que as polícias Militar e Civil daqui estão pacificadas e não participaram de movimento algum?
Britto - Não. Estou falando exclusivamente da invasão do plenário. Ninguém desconhece que tivemos problemas sérios envolvendo as polícias Civil e Militar. Isso gerou momentos de muita tensão, mas contabilizo com alegria que não chegamos ao ponto de outros Estados. Tudo foi encerrado rapidamente, sem vítimas. Agora, o que eu acho é que ficou um problema muito sério, institucional.
Folha - Ao conceder um abono para os policiais, o sr. estava cedendo à pressão, reconhecendo que a causa era justa, ou ambos?
Britto - Não vejo um só governador que não reconheça a necessidade de ajudar um pouquinho mais o pessoal que ganha menos no serviço público. Entre eles, eu incluo, em todos os Estados, os professores, os soldados e o que nós chamamos aqui de escalões iniciais da área de segurança.
Folha - Os governadores estão fazendo a sua parte?
Britto - A gente olha para a demanda e reconhece que é justa. Mas, para pagá-la, tem que ter dinheiro. Para isso, tinha que ter teto e não tem, tinha que ter reforma administrativa e não tem, tinha que ter o cumprimento da Lei Kandir (que prevê compensação aos Estados pela chamada desoneração das exportações) e não tem. Você fica refém da impotência.
Folha - O que lhe diz o presidente sobre isso?
Britto - O governo federal tem sido sensível à negociação da dívida mobiliária dos Estados. Só que essa é uma negociação importante para o futuro. O problema dos Estados é o presente.
Então, nós montamos coisas maravilhosas com o governo federal. Mas para 2010, 2020. A questão é saber se os soldados e os professores aceitam voltar às ruas só em 2020. Então, sem prejuízo das soluções para o futuro, são necessárias soluções para já.
Folha - E o que é para já?
Britto - É devolver para os Estados o que eles perderam de arrecadação com uma coisa muito boa para o Brasil, que foi desonerar as exportações. No momento, e liderados pelo governador Mário Covas, nós todos estamos empenhados em dizer ao governo federal que ele tem obrigação de resolver essa situação.
Folha - Segundo o governo federal, a compensação para os Estados só seria acionada a partir de um determinado teto de perda de receitas, e esse teto não teria sido atingido. O sr. concorda?
Britto - Não é possível que a gente perca o bom senso. Os Estados perderam "x" porque houve um esforço para exportar. Também fizeram um esforço para aumentar sua arrecadação. Se o governo federal entender que a perda é menor do que é, então fica simples: é só a gente parar de aumentar a arrecadação, para caracterizar o prejuízo. Não pode ser assim. Só falta a gente ser punido por estar aumentando a arrecadação.
Folha - Se o governo federal fez um acordo e não cumpriu, isso não é uma quebra de lealdade?
Britto - Não vejo assim. Vejo como uma divergência forte. Essa é a geração dos governadores do corte. Arraes (PE) privatizando, Buaiz (ES) demitindo, Cristovam (DF) botando a polícia contra manifestante. Ninguém em Brasília tem o direito de criticar essa geração. O problema é que a passeata é hoje, não é a longo prazo. Há um descompasso de relógio.
Folha - O sr. antecipou um dos ponteiros do relógio, ao aumentar o ICMS no Rio Grande do Sul? O governo de São Paulo criticou.
Britto - A gente aprendeu que nessa coisa de dinheiro é sempre bom seguir o exemplo paulista. Como São Paulo já cobra os 18% há seis anos, nós estamos até atrasados para imitar São Paulo. E só por um ano. É temporário.
Folha - Como o sr. está vendo as manifestações dos policiais em todo o país? Já teve até tiro.
Britto - O que me chama a atenção é a alegria de uma parte do PT com a tropa na rua. Quem age assim é muito bobo, ou é mal-intencionado.
Folha - E o que o sr. acha de os policiais estarem morando em favelas e passando dificuldades?
Britto - Uma coisa não remete à outra. A gravidade da situação social dos soldados e policiais tinha que ter tido remédio, tem que ter remédio. Mas não precisa dar tiro.
E, pior, estou me referindo à gente que enxergou nisso uma forma de fazer oposição.
Eu votei na Constituinte de 88 pela existência de duas polícias, uma civil, que cuida da investigação, da elaboração dos inquéritos, e uma militar, que faz patrulhamento preventivo e ostensivo. Mas isso só é válido se houver hierarquia e disciplina. Para que se tem uma Polícia Militar se o soldado não bate mais continência para o seu superior? Então, podem ser duas civis. Quando as PMs deram tiros por aí, elas fizeram uma tentativa de suicídio institucional.
Folha - O sr. é a favor da intervenção do Exército?
Britto - Alguém é a favor de cirurgia? A meu ver, a pergunta é outra. Se alguém vai perder o controle sobre a ordem pública, tu não tens outra alternativa. O governo encurralado vai, democraticamente, buscar a ajuda do Exército. Imagina o que o Arraes sentiu, com a biografia linda que ele tem, sendo obrigado a recorrer ao Exército?
Folha - Na outra ponta, como o sr. analisa a atuação do governador Eduardo Azeredo em Minas?
Britto - Cada um tentou agir de acordo com a circunstância.
Folha - Governador, por que nunca se soube de um financiamento direto para a instalação da GM no Estado, de R$ 253 milhões? Os pareceres preliminares do TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontam distorções.
Britto - É um engano. O financiamento, na forma como ele foi feito, foi aprovado por lei. Todos sabiam. A terraplanagem da área, em Gravataí, está prevista para este mês e vai ser realizada. Está tudo pronto. O TCE vai apontar que houve um ato absolutamente legal e, mais do que isso, absolutamente necessário para o desenvolvimento e a industrialização do Estado.
Folha - A guerra fiscal entre os Estados não é predatória, nociva às finanças e aos interesses públicos, como diz o governo de São Paulo?
Britto - Enquanto houver guerra fiscal, o governo do Rio Grande do Sul vai estar lá, combatendo com as suas armas e querendo ser vencedor. Durante todos esses anos, tudo foi para São Paulo e para Minas. Abre-se o mercado, abre-se o Mercosul, e eu vou ficar de braços cruzados? Não, não vou. Toda a tristeza do Kapaz (Emerson Kapaz, secretário de Ciência e Tecnologia de São Paulo) é uma alegria nossa.
Folha - Por que o sr. abre as portas do palácio para empresários, policiais e professores, e não para o MST?
Britto - Eu já os recebi no palácio, mas tenho uma regra: não sento para conversar com quem invade primeiro para conversar depois.
Folha - Quando o sr. vai sair do PMDB?
Britto - Sair para onde? Para o PSDB, que está filiando gente por metro?

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