São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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Espoliação federal

OSIRIS LOPES FILHO

A Folha desta semana, ao divulgar opiniões de altos executivos do Ministério da Fazenda, possibilitou que se identificasse a ocorrência de transformação qualitativa no governo federal.
Trata-se de fenômeno de índole espiritualista. Tem havido incorporação de espíritos que vagam no etéreo. A mais recente é sacana. Baixou no Ministério da Fazenda o espírito de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, criado por Mário de Andrade.
A propósito da decisão do Rio Grande do Sul de elevar o ICMS para cobrir reajustes de professores e policiais, disse Pedro Parente, secretário-executivo da Fazenda: "Vi com bons olhos. Se a população decidiu aumentar despesas, então precisa encontrar fórmulas para financiar".
Essa recepção amistosa do aumento dos impostos gaúcho só pode ter por fundamento o fato de repetir o modelo federal de arrocho tributário. No país campeão da evasão, aumentar a carga tributária já tão elevada, a configurar indecência, é medida típica de burocrata ou governante desfibrado, incapaz de enfrentar com arrojo e decisão o combate à sonegação.
Toda vez que se elevam impostos, aumenta-se o ônus dos que pagam corretamente. E se dá vantagem aos evasores.
Mas a beleza de declaração do dr. Parente foi a de afirmar que "a autonomia tributária para os Estados é positiva e até está escrita na Constituição".
É um progresso. Tecnocrata federal citar a Constituição, no intuito de reforçar algum princípio lá consagrado, já configura sintoma de avanço.
Pena que o fortalecimento de Federação, mediante a ênfase na autonomia dos Estados, repouse infelizmente em simplórias declarações.
Mas a verdade é que no governo FHC os Estados têm sofrido castração rigorosa de suas receitas. Por obra do ministro-deputado Kandir, fez-se a magia negra. Alterou-se a Constituição pela lei complementar nº 87, atribuindo-se não-incidência do ICMS nas exportações de primários e semi-elaborados.
Arruinaram-se as finanças dos Estados exportadores de produtos da agropecuária e da mineração. Até São Paulo perdeu 3% do ICMS.
O Fundo de Estabilização Fiscal em fase de aprovação no Congresso consagra a espoliação federal. Tira dos pobres da Federação -os Estados, Distrito Federal e municípios- e engorda as ricas burras da União. É a ação de um novo Robin Hood. Às avessas.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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