São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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DESMONTAR A BOMBA

A crise das últimas semanas envolvendo as polícias deve ser encarada como a ponta explosiva que traz à tona, mais uma vez, a irracionalidade de um imenso iceberg chamado funcionalismo público brasileiro.
O problema, que agora se torna crônico e emperra a modernização do país, tem raízes históricas profundas, que remontam à formação da burocracia estatal empreendida durante o período getulista.
Concebido para ser o braço fundamental do Estado desenvolvimentista, o setor público convive há décadas com a ineficiência, o inchaço, o nepotismo e as práticas clientelistas. Todo o esforço de racionalização que acompanhou a criação do Dasp (Departamento Administrativo do Setor Público), em 1936, foi minado pela ingerência política, que historicamente tornou o aparelho estatal refém de interesses particulares.
Esse modelo getulista chegou ao auge com o aparato burocrático-estatal da era Geisel. Logo a seguir, a crise fiscal dos anos 80 revelou a face real da questão: o Estado estava falido e o funcionalismo sucateado.
A Constituição de 88 agravou o problema ao preservar a estabilidade. Hoje, o que se vê na esfera federal é um excesso de funcionários nas áreas administrativas e uma carência de profissionais qualificados nas áreas técnicas da burocracia. Mais do que inchado, o setor público federal é irracional. O PDV (Programa de Demissão Voluntária) acabou afastando da administração alguns de seus melhores quadros, que encontram espaço na iniciativa privada.
Nos Estados, a questão é mais grave, como mostra reportagem publicada por esta Folha. Em vários deles, os gastos com pessoal comprometem quase toda a sua receita. São poucos os que cumprem hoje a exigência legal de gastar com salários no máximo 60% do que arrecadam.
As reivindicações do funcionalismo por aumento, justas em muitos casos, chocam-se, assim, com um problema que vai muito além da boa ou má vontade dos governadores.
Sem que se aprofunde a reforma administrativa e se racionalize a máquina pública, não haverá soluções mágicas. Um dos maiores desafios de FHC e dos governadores é desativar a bomba-relógio do funcionalismo. A modernização do país depende da desmontagem da herança getulista.

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