São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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Carta ao Lobo Mau

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Conversa de bar é que nem sessão espírita: aparecem coisas. Outro dia, numa roda sem assunto, alguém propôs que cada um sugerisse o documento mais importante a ser descoberto até o final do século.
Falou-se numa possível e conflituosa correspondência amorosa entre Van Gogh e Gauguin. Lembraram uma troca herética de bilhetes entre o papa e madre Teresa de Calcutá para ser publicada na "Playboy". E uma carta de Lyndon Johnson confessando que mandara matar John Kennedy para sucedê-lo na presidência.
Nem Cristo foi poupado. A descoberta de um texto dele -que como Sócrates nada deixou escrito- seria uma bomba.
Chegou a minha vez. Nenhum dos assuntos lembrados me emocionava. Amores proibidos dos outros não me interessam, luta pelo poder me repugna. Quanto a Cristo, acho que ele funciona mais como está.
Sendo do contra, apelei para a ficção dentro da ficção. Imaginei uma carta de Chapeuzinho Vermelho ao Lobo Mau. Já muito se analisou o erotismo (e até a sacanagem pura e simples) dos contos infantis. Não seria por esse lado. Tempos atrás, cheguei a fazer um conto nessa base, "Branca de Neve contra o Exorcista". Saíram coisas, literalmente, do diabo.
Com Chapeuzinho Vermelho seria mais simples. Ela mandaria o recado para que o Lobo Mau não a esperasse na casa da avó, nem precisava sacrificar a velha -péssimo aperitivo-, no caminho da floresta daria sopa e ninguém ficaria sabendo. Como diz a cantiga, seria uma festança, o Lobo Mau teria um petisco para encher a sua pança.
Além desses detalhes técnicos, ela diria que estava morrendo de vontade etc. Bem, minha sugestão indignou uma amiga que fazia parte da roda. Levou o caso para o lado pessoal, atribuindo-me contrariada paixão por alguma adolescente.
Não, não faço o gênero, senhora. Pior do que um lobo mau, sou um lobo velho. Só não tenho culpa de ainda ter fome.

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