São Paulo, segunda-feira, 4 de agosto de 1997
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Puff!...

JOÃO SAYAD

Os viajantes aprendem muito pouco sobre os lugares que visitam. Porque já iniciam as viagens sabendo de tudo. Na melhor das hipóteses, conseguem arejar e flexibilizar o que já sabiam. "O objetivo das mais longas excursões aos lugares mais distantes é apenas conhecer melhor o lugar de onde partimos."
O motorista que nos trouxe do aeroporto ao hotel em Paris era um velho conhecido e parecido com os motoristas de táxi do mundo inteiro: conservador, ranzinza e com soluções para todos os problemas do mundo.
Os taxistas franceses são um pouco piores do que os brasileiros. Os franceses bufam ao falar, expelindo grandes golfadas de ar, uma espécie de "puff..." que talvez faça parte da língua francesa, como o "you know" dos americanos, o "hai" dos japoneses e o nosso "pô".
Mas ouvidos brasileiros não conseguem deixar de traduzir aqueles constantes desabafos como sinal de reclamação, de que estão "cheios de tudo" e que ao fazer "puff..." estão simplesmente se esvaziando de insatisfações ou desistindo de argumentar por cansaço ou por desesperança.
Pode não ser nada disso, nunca saberemos. É o problema universal das traduções. Jamais saberemos o que pensa um francês. Também não sabemos o que pensam a namorada, a esposa ou os filhos brasileiros. Só sabemos o que falam e podemos traduzir de forma errada.
O motorista foi logo dizendo que o desemprego francês estava subestimado. Havia 1 milhão de desempregados que não eram contados na estatística oficial porque faziam parte de um programa chamado "reinsertion". O governo francês paga três semestres de salários para empregados que queiram sair do emprego e estudar qualquer coisa.
Fiquei surpreendido e entusiasmado. Não porque seja uma forma de "readaptar" a mão-de-obra para o mercado de trabalho, ou porque os salários aumentarão com mais educação como querem os economistas de boa vontade.
Fiquei entusiasmado porque essa solução parece a solução do futuro ainda distante. Sobra mão-de-obra, sobra tempo, sobra tecnologia e não há o que fazer a não ser estudar, ler, ouvir música, escrever e outras coisas pouco compreensíveis.
Os franceses agora saem do trabalho para aprender datilografia ou digitação. No futuro, poderão sair para aprender a tocar violino, fazer alpinismo ou cozinhar.
Ainda bem que não somos encarregados de ensinar aos franceses o que eles têm que fazer. Acabaríamos com o programa de "reinsertion" para reduzir o desemprego.
No momento, o governo francês se debate com a tarefa de reduzir o déficit de 3,5% para 3% do PIB, conforme determinado pelo Acordo de Maastricht para entrar na moeda única européia.
O déficit maior é apontado pelo ex-primeiro ministro, de direita, Juppé, como culpa do seu antecessor, Balladur, ambos do partido do presidente Chirac. O primeiro-ministro atual, Jospin, socialista, é que terá de resolvê-lo.
O diagnóstico sobre o déficit feito pelo ex-primeiro ministro Juppé aponta como causa principal o crescimento mais lento da França que resultou em perdas de receita de imposto da ordem de 0,35% do PIB. Quer dizer que, se cortarem os gastos, acabarem com o programa de "reinsertion", ou aumentarem os impostos, a situação pode piorar.
Jospin, o atual primeiro-ministro socialista, resolveu aumentar os impostos. Nem aqui nem lá as coisas são fáceis de entender.
Ao mesmo tempo, por causa de vários acontecimentos no mercado financeiro internacional, o franco apresenta tendência de desvalorização desde o início do ano. Nos últimos dias, desvalorizou-se quase 10%.
A desvalorização teve impacto favorável sobre o nível de atividade e exportações francesas. Déficit público e desemprego são mais sensíveis à taxa de câmbio e ao nível de atividade do que aos esforços de cortar gastos, reduzir o custo da mão-de-obra ou outras reformas constitucionais.
Parece que o mundo sofre de falta de demanda. Entre os países grandes, quem aumenta câmbio, exporta problemas de desemprego. Entre os países pequenos que podem mexer no câmbio sem retaliação dos outros países, a economia reage, como a de Zumumba, aquele país inventado, que podia fazer despesas sociais altas como as francesas, compensadas pelo câmbio alto.
Andei em trens muito rápidos e confortáveis, em metrô impecável que nos leva a qualquer parte da cidade e da cidade ao país. Estradas maravilhosas cheias de sinalização. A SNCF (estradas de ferro), o metrô e a Air France continuam estatais. O presidente Chirac insiste na continuação do programa nuclear militar. "Puff!..." é impossível entender os franceses.

E-mail:jsayad@iibm.net

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