São Paulo, segunda-feira, 4 de agosto de 1997
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O desafio do Fundo de Garantia

NELSON PEDRO ROGIERI

A privatização avança no mundo e no Brasil, cada vez despertando menos resistências. A cada venda de empresa estatal parece menor o número de pessoas que associa a desestatização a uma simples transferência de patrimônio do Estado para mãos de gananciosos capitalistas.
Por certo, contribui muito para esse novo entendimento o fato de que também o capitalismo mudou, a ponto de não ser mais absurdo pensar que a concentração hoje é mais do governo, enquanto a chamada iniciativa privada se manifesta mais e mais por amplos acordos coletivos envolvendo comunidades inteiras.
De modo que se pode até dizer que o termo privatização ganhou um novo sentido, talvez até diametralmente inverso do que tinha até décadas atrás. Privatizar, hoje, é desconcentrar, entregar a propriedade a muitas mãos.
Para se convencer disso, basta ver como os fundos de pensão, patrimônio de quase 2 milhões de trabalhadores brasileiros, andaram ativos na maioria dos leilões desde que foi iniciado no país o processo de privatização.
Por esse caminho, centenas de milhares de empregados são hoje parceiros de grupos empresariais no controle de algumas das estrelas de maior brilho no universo industrial brasileiro, sendo a Vale do Rio Doce o exemplo mais recente e também um dos mais significativos.
Essa reconceituação das palavras e dos fatos sociais que elas expressam me ocorre junto com uma dúvida: será que não estamos nos esquecendo de ao menos discutir a "privatização" do maior de todos os patrimônios pertencentes aos trabalhadores brasileiros, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço?
Administrado de forma centralizada por Brasília, longe dos olhos de seus verdadeiros donos, o FGTS paga uma remuneração que é a metade do menor rendimento oferecido hoje no mercado, o das cadernetas de poupança.
Ao contrário dos fundos de pensão, sujeitos à fiscalização das empresas que os patrocinam, de seus próprios conselhos de curadores e de alguns órgãos do governo, são obrigados a praticar toda uma engenharia societária quando negociam com poderosos grupos empresariais o controle das empresas. O FGTS, por sua vez, desde que foi instituído segue uma outra rotina.
Por essas e muitas outras razões é que estamos propondo ao país debater a "privatização" do fundo de garantia. Nesse caso, o termo privatizar teria o sentido de liberar as empresas para escolher entre duas opções: continuar depositando os recursos em nome de seus funcionários nas contas do FGTS ou passar a destinar o dinheiro para a constituição de novos fundos de pensão ou para os já existentes.
Planos previdenciários que poderiam ter ou não a forma de fundos de pensão fechados -constituídos por empresas- ou plano aberto contratado junto a um banco ou seguradora. Ou mesmo escolher como caminho os fundos de aposentadoria programada individual (Fapi), que as instituições financeiras deverão começar a oferecer ao mercado no final deste ano ou início do próximo.
Com essa nova destinação, os recursos passariam a ser administrados descentralizadamente, isto é, pelas próprias empresas ou por gestores terceirizados. Dinheiro atualmente concentrado nas mãos do Estado ganharia uma gestão pulverizada e mais profissional, realizada sob a vista dos maiores interessados.
Disso resultaria seguramente uma melhor remuneração da poupança do trabalhador, mesmo porque é quase impossível remunerar o capital de forma pior do que o FGTS faz hoje.
Os fundos de pensão e os planos abertos de previdência já são os maiores investidores institucionais do país, acumulando um patrimônio próximo dos US$ 90 bilhões. Já o Fapi, que está começando agora, pelos cálculos das autoridades poderá chegar aos US$ 40 bilhões no prazo máximo de dez anos.
São recursos vultosos num país que, desde o final dos anos 70, nunca mais conseguiu elevar sua taxa de poupança acima de 18% do Produto Interno Bruto. Estimular essa poupança previdenciária, portanto, é quase uma obrigação. Dispor para esse novo fim dos recursos hoje destinados ao FGTS seria uma forma direta e a curto prazo de dar esse estímulo, beneficiando empresas e trabalhadores.
Atualmente, o que temos é um desestímulo a esse crescimento da poupança previdenciária, de vez que as empresas que custeiam planos de aposentadoria para os seus funcionários não se livram de ter de contribuir para o FGTS, realizando um duplo esforço no mesmo sentido.
O quadro atual é de esbanjamento de recursos, justo numa época em que as empresas lutam dramaticamente para reduzir seus custos e manter-se competitivas.

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