São Paulo, segunda-feira, 4 de agosto de 1997
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A demência californiana que influenciou até os Beatles

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um gênio com loucura nos olhos e vômito nos pijamas.
A definição dura, bem ao estilo do jornalista inglês Nick Kent, se dirige a Brian Wilson, o cérebro torturado que liderava a banda californiana Beach Boys.
Os Beach Boys, que viveram no auge criativo nos anos 60, voltaram a ser assunto desde que, na última edição da revista londrina "Mojo", um time de grandes nomes da história do rock escolheu um compacto do grupo como o melhor de todos os tempos.
O single, como se chamam os compactos em inglês, saiu em 1966, trazendo "Good Vibrations"/ "Don't Worry Baby" e "God Only Knows".
A escolha é reconhecimento justo a uma obra formidável, que viabilizou e apontou caminhos para o rock feito hoje -da distorção psicodélica do My Bloody Valentine aos arranjos sofisticados do Radiohead, passando por toda a cena punk/hardcore da Califórnia.
Antes dos Beach Boys, a relevância musical desse Estado era zero; Brian Wilson não inventou apenas um gênero pop, inventou a Califórnia).
A imagem dos Beach Boys que passou à história, no entanto, reflete pouco a relevância que a banda de fato teve. A não ser para aficionados, Beach Boys é sinônimo de praia, contemplação, musiquinha inocente.
Ou seja: justamente a reputação anódina que o pai de Brian, o tirano invejoso Murray Wilson, queria para o grupo (a formação original dos Beach Boys incluía mais dois irmãos Wilson, Dennis e Carl).
Na verdade, "Pet Sounds", o álbum que eles lançaram em 1966, é um marco do rock e, segundo Paul McCartney, a maior influência que os Beatles sofreram antes de gravar sua obra-prima, o álbum "Sgt. Pepper's".
McCartney, aliás, era objeto de obsessão de Brian Wilson, que sofria de um incontrolável sentimento de inferioridade em relação aos Beatles.
"Pet Sounds" foi sua resposta ao LP "Rubber Soul", que os ingleses tinham feito um ano antes.
Ironia suprema, McCartney participou do júri que incensou o disco dos Beach Boys, e sempre disse que acha "God Only Knows" a canção mais linda já composta.
Mas o alucinado Wilson nunca conseguiu lidar com isso. Em seu livro "Dark Stuff", Nick Kent relata um episódio patético.
Em 1974, Paul McCartney tentou visitar Brian em sua mansão de estilo espanhol em Beverly Hills. Mas o líder dos Beach Boys não suportou: trancou-se numa cabana ao lado de casa e ficou aos prantos, de olhos fechados, rezando para que Paul fosse embora.
No auge da demência, sob o jugo de todas as drogas imagináveis, Brian Wilson sabia da opinião de McCartney sobre "God Only Knows" e concluiu que, se já tinha escrito a canção perfeita, estaria destinado ao fracasso, porque nunca mais conseguiria se superar.
Brian Wilson significa bizarrice, decadência, doença mental. Mas também quer dizer invenção. E, afinal, é por causa dessa última que estamos todos vivos.

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