São Paulo, segunda-feira, 4 de agosto de 1997
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O Judiciário e o efeito vinculante

O efeito vinculante é o primeiro passo para tornar a Justiça mais rápida, e é isso que a sociedade deseja
CARLOS VELLOSO
O Senado aprovou, em primeiro turno, proposta de emenda constitucional que amplia a eficácia "erga omnes" (contra todos) e o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal.
Essa eficácia contra todos e o efeito vinculante já existiam, expressamente, para as decisões do STF nas ações declaratórias de constitucionalidade (Constituição Federal, artigo 102, parágrafo 2º, com a emenda constitucional 3/93). De minha parte, sempre sustentei que, não obstante inexistir norma expressa, também as decisões proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade são vinculantes.
O importante é que, relativamente às decisões definitivas de mérito, tomadas pelo Supremo, especialmente no controle difuso de constitucionalidade, poderá a corte, pelo voto de dois terços de seus membros, declarar que terão elas eficácia "erga omnes" e efeito vinculante, certo que o Supremo Tribunal, tradicionalmente prudente no trato das questões, vai, com certeza, utilizar-se da faculdade que lhe está sendo conferida com parcimônia e sensatez.
Ontem, muitas vozes se ergueram contra o efeito vinculante. Hoje, essas vozes já não são tantas. É que muitos dos opositores perceberam que o efeito vinculante não tem sabor de novidade: no sistema judicial norte-americano, que é dos mais eficientes, em razão do "stare decisis", lá acolhido, estabelecendo a corte o princípio legal aplicável a certo estado de fato, esse princípio será aplicado a todos os casos futuros em que os fatos forem substancialmente os mesmos.
Isso quer dizer -repito o que escrevi em artigo publicado nesta Folha (7/3/95)- que, no sistema norte-americano, todos os tribunais estão vinculados às decisões da Suprema Corte.
O eminente professor Dalmo de Abreu Dallari, a quem respeito, admiro e estimo, sustentou no seu livro "O Poder dos Juízes" que teria eu concluído demais, pois o trecho "citado só diz que a corte estabelece o princípio legal, e este será aplicado em todos os casos futuros em que os fatos forem substancialmente os mesmos".
Mas é exatamente isso o que ocorrerá aqui, reafirmo, dado que caberá ao juiz examinar e decidir se a decisão vinculante foi tomada em demanda em que os fatos são substancialmente iguais aos que foram postos na nova ação.
O professor e magistrado Antônio Álvares da Silva esclarece que, "no direito comparado, o fato não é novo. Já existe também, há muito tempo, no direito alemão. Lá, quando o Tribunal Constitucional decide uma questão, ela é vinculante para todas as instâncias e para a administração pública. E jamais houve queixa dos juízes alemães contra sua liberdade de julgar".
E acrescenta o professor da UFMG: "A figura do juiz rebelde, cultivada por alguns, que não se conforma com o decidido na corte mais alta, é mais uma questão de vaidade do que de resultados práticos. Por ela pagam as partes que ficam à espera de seus direitos, enquanto, no Judiciário, se repete o mesmo filme, com o final já de todos conhecido".
De uma feita, visitando a Suprema Corte norte-americana e conversando com um dos seus juízes, dei-lhe notícia de que o Supremo Tribunal julgava cerca de 30 mil processos por ano. Ele se espantou. Acrescentei: "Antes que o sr. pense que os juízes brasileiros são super-homens ou que seja eu um mentiroso, esclareço que mais de 80% desses recursos são repetidos".
De janeiro a julho deste ano, o STF recebeu 19.599 processos e julgou 21.317. Dessa enorme massa de recursos, mais de 80% constituem mera repetição.
O efeito vinculante vai acabar com isso, vai impedir a eternização das demandas e trará economia para os cofres públicos, certo que, eliminadas as demandas iguais, os juízes poderão dedicar-se às questões novas e não estarão, o que é frustrante, copiando sentenças já proferidas.
O efeito vinculante é o primeiro passo para tornar a Justiça mais rápida e mais ágil. E é isso que a sociedade deseja.

Carlos Velloso, 61, é ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e professor titular da Universidade de Brasília (UnB).

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