São Paulo, segunda-feira, 4 de agosto de 1997
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Nem baleia nem gato

JOSÉ SERRA

Santiago - O único aspecto desagradável da capital chilena continua sendo a poluição do inverno, que faz o ar da cidade de São Paulo parecer o de Campos do Jordão. A culpa é do cerco da cordilheira, que inibe a ação dos ventos.
Outros ventos, porém, continuam a soprar no Chile. O econômico é o mais favorável: nesta década, o PIB tem crescido 7% ao ano, um ritmo brasileiro (do passado), o mais alto da América Latina e pelo menos duas vezes superior à sua taxa histórica (1930-1990). O social agrada, apesar das queixas: a proporção de famílias pobres caiu de 34,5% para 19,7% entre 1990 e 1996. Na política, vão se consolidando as liberdades e as instituições democráticas. E a coalizão que governa (democratas-cristãos e socialistas), amplamente majoritária, é bem mais coesa do que qualquer partido brasileiro.
O Chile foi aprendendo bem as lições de experiências duríssimas. Na economia, no início dos anos 80, sofreu a maior depressão de sua história. A crise internacional, o fracasso da abordagem monetária do balanço de pagamentos e a consequente crise bancária provocaram uma queda de 14% do PIB em 1982, tendo a taxa de desemprego roçado os 30%. Nessa época, aliás, foram presos eminentes economistas, dublês de banqueiros, por terem feito truques heterodoxos no sistema financeiro -criativos, mas delituosos.
Em face da crise, além de obter caudalosa ajuda externa (BID e Bird), o governo Pinochet adotou medidas traumáticas: fortes desvalorizações do câmbio real e aumento programado das tarifas sobre importações de 10% a 35%, mantendo-as acima dos 20% durante seis anos. Isso tudo, mais os elevados preços do cobre, permitiu uma penosa recuperação, que chegou à sua plenitude já no final da ditadura.
A ditadura de Pinochet combinou com eficácia o terror, o projeto econômico, a coação e a astúcia política, criando um grande desafio para o governo democrático que iria sucedê-lo. Mas, escaldada contra o populismo que prejudicou as transições democráticas no Peru, no Brasil e na Argentina, a coalizão democrática acabou presidindo a afirmação histórica da nova trajetória de crescimento. E tanto quanto isso, porém, passou a promover políticas sociais ativas, financiadas de forma não-inflacionária.
As prioridades econômicas do Chile hoje são corretas: a curto e médio prazos, continuar explorando suas vantagens comparativas na exportação de produtos primários e semi-elaborados -caminho apropriado a um país de população e território pequenos. A longo prazo, reformar e investir na educação. Para isso tem a vantagem de um sistema educacional mais livre (do que o nosso, por exemplo) das amarras do corporativismo e da centralização e de um nível cultural mais elevado: o número médio de anos de estudo da população adulta no Chile é de 7,5, enquanto no Brasil não chega a quatro.
Por seu tamanho, o Chile não pode aspirar à condição de baleia econômica. E, como disse com realismo o último presidente do Banco Central chileno, em matéria de felinos, esse país não passou ainda da condição de gato. Mas é hoje o principal candidato internacional à promoção na escala zoológica da espécie.

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