São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Já raiou o stalinismo no horizonte do Brasil

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Stalinismo is back!". Exemplo: os historiadores Jorge Caldeira e Sérgio Goes passaram dois anos fazendo uma "História do Brasil", publicada pela Companhia das Letras. Um fino trabalho, profundo e horizontal. Pelo livro, vemos a natural tendência histórica do Brasil para a democracia, formada na miscigenação e na tradição de um Parlamento com 170 anos, faltando apenas destruir as oligarquias escravistas montadas no Estado patrimonialista.
Pra quê?!... Estão sendo violentamente patrulhados porque teriam "ocultado" a dialética eterna de explorados e exploradores, como se tivessem cedido a uma espécie de história do Brasil "tucana".
É valioso observar esse patrulhamento. Exceção feita ao PPS, o velho Partidão experiente e brasileiro, está visível como o reducionismo sectário das esquerdas burras muda a visão real dos problemas nacionais para falsos alvos.
Caldeira rebateu as críticas a seu livro com uma frase perfeita: "A liberdade é um suplício para velhos prisioneiros".
As patrulhas voltaram. Eu nunca vi um ódio tão espumante contra um governo como contra este. Mesmo na ditadura, o ódio aos militares vinha com um "arrière go–t", um sabor de gratidão masoquista aos milicos que "legitimavam" nossa condição de vítimas "enobrecidas".
A ditadura justificava a paranóia. Já o ódio a FHC (chamado de "filho da puta" por Lula semana passada, em comício) é puro, legítimo, escocês. É um ódio contra alguém que os priva de suas mais secretas perversões, alguém que "desconstrói" os mais velhos hábitos da esquerda sectária.
Já vi esse ódio contra Gilberto Freyre, já vi esse ódio contra Nelson Rodrigues, contra Glauber, contra Caetano.
É o ódio do fanático contra o herege, ódio religioso de árabes contra judeus. É o ódio dos "proprietários" da velha "revolução" contra os que querem modernizá-la.
Já vi esse ódio no rosto burro de velhos sectários há 30 anos atrás, o mesmo ódio burro que vejo na cara barbuda do pré-leninista Stédile e do provocador Gilmar Mauro, os homens que vão destruir o MST e frustrar um profundo movimento popular, que eles querem reduzir a uma falange maoísta.
São os cafetões da miséria. A melhoria das condições de vida pela democracia angustia-os. É a primavera da esquerda "idealista".
Nunca vi esquerdistas tão pouco marxistas, que ignoram a mudança nas "condições materiais de produção" do mundo e do país e só apelam para os "princípios", bóia de salvação moralista e voluntarista.
Em matéria de condições objetivas, ACM dá um banho de marxismo em Lula. A verdade é que o objeto do ódio não é o presidente: é a democracia.
FHC é um alvo falso; a mira é na liberdade "burguesa". Querem o fracasso, não acreditam em democracia. Só acreditam em "dissenso" e se recusam a ver o óbvio: hoje, temos chances de remover o entulho patrimonial de 400 anos de um Estado paralítico.
E não se trata de uma doença infantil de esquerdistas burros, apenas. Se fosse, eu nem ligava. Não; é um maniqueísmo ativo que serve a qualquer ignorante, é uma "negatividade portátil" que embala multidões de observadores ingênuos ou desatentos.
Os patrulheiros esquerdistas fornecem o "ethos" para indecisos, preguiçosos e oportunistas pelo Brasil afora. Eles detêm uma espécie de selo de garantia para suas "verdades", um santinho ético, uma espécie de "copyright" do Bem que não se questiona.
É uma chantagem culposa que coopta intelectuais, artistas, jornalistas e formadores de opinião que morrem de medo de serem chamados de "reacionários".
Ficam quietinhos e se deixam banhar burramente pelas reduções e truísmos sobre nossa desgraça, que a esquerda burra não diz jamais como combater.
Ninguém tem coragem de criticar os erros dos tais "defensores dos explorados", pois será imediatamente chamado de "defensor dos exploradores". Mas o grave, repito, é que estão desviando para a opinião pública o foco da luta urgente.
Parecem lutar contra o monstro da hora, chamado de globalização ou de neoliberalismo, mas, na verdade, lutam para manter vivo o Estado patrimonialista, escravista, produtor da miséria.
Como "têm" de ser contra as "reformas" de FHC, fazem uma frente única com as velhas oligarquias de direita. Essa "esquerda" não dá uma palavra contra os usineiros de Alagoas, por exemplo, que estão por trás da falência do Estado. Isso eles deixam para a imprensa "burguesa".
Não atacam a pizza dos precatórios, sobem no palanque (como fez o Rainha) com deputados do esquadrão da morte, esbirros que se orgulham de ter matado 30 "elementos" na Rota e puxam o saco de PMs desesperados por causa dos Estados falidos (que eles ajudam a manter falidos, votando contra reformas).
Há uma frente única entre direita autoritária e esquerda sectária, pois ambas odeiam a liberdade democrática. Não atacam a "franca zona nacional"; deixam a verdadeira direita livre, leve e solta, porque, para eles, o "inimigo principal" é FHC.
Exatamente como na Alemanha pré-nazista, quando o "inimigo" era a social democracia, o que permitiu a subida de Hitler.
O problema é que o tempo não pára e as forças produtivas do mundo continuarão agindo sobre nossa resistência colonial. E esse fluxo material da produção é irreversível e chegará pela democracia ou, pior, pelo autoritarismo.
Se não vier por bem, ele virá como liberalismo selvagem, garantido por um novo fascismo caboclo, como foi em 1964.
E aí, os stalinistas vão se sentir em casa de novo, bem oprimidos e felizes... E a culpa nunca será deles, pois eles nunca têm culpa, são sempre vítimas, "vítimas da ditadura", "vítimas do neoliberalismo".
São iguaizinhos aos usineiros de Alagoas: a conta nunca é paga por eles... Adoram uma opressão, caldo de cultura onde se sentem "vivos" pelo martírio e pela sagrada derrota. E quanto mais são derrotados, mais aumenta a sua fé.
Odeiam vitórias e atacam seus próprios governadores eleitos. A derrota como que "prova" que estão certos. Por isso, se recusam a fazer uma oposição técnica aos erros do governo atual.
Não concedem a FHC, um presidente eleito, nem a esmola de uma oposição técnica. Basta-lhes a sabotagem. Não respeitam nem a liberdade "burguesa" de que gozam, como se a democracia fosse apenas um sistema político "fraco". E assim vão, numa punheta teórica eterna, num papo que já não deu.
E não teriam importância nenhuma se não fornecessem água-benta teórica para intelectuais covardes ou jornalistas ignorantes e espertos.
É muito fácil ser "macho crítico" na democracia. Na época da ditadura não se viam esses gatos miando.
Contudo, há uma esperança: a materialidade do mundo concreto se move quando eles dormem. Outra alegria é que o Estado brasileiro já faliu e não vai mais poder avalizar com dinheiro público suas ilusões perdidas. Nossa esquerda não leu Marx. Graças a Deus, as forças produtivas não param.

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