São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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O pregão e o sangue

CLÓVIS ROSSI

Jerusalém - O pregão parece igual ao de todos os dias em todos os mercados do mundo: "Nactarrina, nactarrina", anuncia o vendedor do Mahane Yehuda, o mercadão de Jerusalém em que explodiram duas bombas dia 30.
Oferece o quilo de nectarina a 4,99 shekels, a moeda israelense (pouco menos de R$ 1,40).
Mas o pregão só parece igual ao de todos os dias. Mais forte do que o grito do vendedor é o silêncio da mulher que reza diante da porta de ferro fechada em que estão colados os anúncios fúnebres das 13 vítimas israelenses (morreram também os dois terroristas).
Tampouco é normal a concentração de soldados nas entradas para o "suki" (o mercado). Muitos usam uma combinação ilógica: na cabeça, o "quipá" (o solidéu, que simboliza o respeito a Deus, o criador da vida, para os que Nele crêem). No ombro, o fuzil, o disseminador da morte.
Funcionam apenas como muleta psicológica para a população. Como diz Yossef Lapid, colunista do jornal "Maariv", se um soldado pedir a identificação de um terrorista-suicida ou que abra a sacola, este "se auto-explodirá, junto com todos os que estão próximos".
Mais eficazes são os policiais à paisana que circulam pelo mercado, em geral de bermudas, jeitão de surfistas indo ou voltando da praia, olhos ágeis percorrendo cantos e caras.
De uma parede, Moshe Dayan, o lendário general israelense de tapa-olho, olha o mercado, de um pôster que retrata a tomada de Jerusalém pelas tropas israelenses.
A seu lado, o também general Yitzhak Rabin, depois primeiro-ministro e vítima de outro tipo de fanáticos, os de seu próprio sangue.
Desde a vitória de Dayan e Rabin, em 1967, o Mahane Yehuda já foi atacado seis vezes. No total, 37 pessoas morreram.
É sangue demais assombrando o cheiro de peixe, frutas, especiarias. Tira toda a graça do milenar pregão.

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