São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Loteria e projetos sociais

RUBENS ANTONIO BARBOSA

Em 1995, escrevi sobre a criação da loteria nacional britânica e a forma criativa encontrada para fazer reverter para o povo parte dos recursos que os apostadores gastam semanalmente.
Na época, eu fazia a sugestão de que deveríamos examinar a experiência britânica mais de perto, para tentar regulamentar todos os tipos de loteria no Brasil, com vista a aproveitar parte dos recursos em projetos sociais.
Volto ao assunto dois anos depois, em virtude de iniciativa do novo governo trabalhista exatamente nessa linha. Criada em fins de 1994, a loteria nacional é uma concessão de serviço público, operada por companhia privada: 30 milhões de apostadores movimentam cerca de US$ 145 milhões por semana.
O sistema é operado com grande transparência: 50% da receita é distribuída em prêmios; 26,5% são repartidos automaticamente em cinco áreas prioritárias: arte, patrimônio histórico, esporte, ação social e a comissão encarregada de preparar as celebrações do milênio; 13,5% são cobrados pelo Tesouro, como Imposto de Renda; 5% são pagos à companhia que opera a loteria, e 5% vão para os retalhistas.
A distribuição dos recursos da loteria para as referidas cinco áreas, em menos de três anos, representou cerca de US$ 6 bilhões para construção ou melhoria de teatros e campos esportivos, apoio a grupos artísticos, obras de ação social e uma infinidade de iniciativas que, de outra forma, não poderiam ter sido realizadas.
O novo governo trabalhista está propondo agora ampliar a distribuição dos benefícios e assegurar que a alocação seja feita de maneira a alcançar setores mais diversos da sociedade, dentro de uma estratégia determinada e levando em conta as necessidades reais da população.
Além das cinco referidas áreas, os recursos da loteria nacional passarão a beneficiar os setores de saúde, educação e meio ambiente, e será criado um fundo (chamado de "novas oportunidades") para estimular a renovação de talentos e a criatividade nas áreas de ciência, tecnologia e artes.
O governo trabalhista está tentando inovar, ao combinar a ortodoxia econômica (combate à inflação, redução do déficit público, rígido controle fiscal) com acrescida ênfase nos gastos na área social.
A proposta ajusta-se à filosofia de ampliar os recursos para o social a fim de reduzir a pobreza, melhorar os serviços prestados e gerar empregos, sem onerar os recursos orçamentários.
Não é uma tarefa fácil. A utilização dos recursos da loteria é uma das diversas fórmulas que estão sendo discutidas para dar uma resposta à crônica falta de recursos para o social, em decorrência de rígidas políticas econômicas domésticas.
O governo propõe complementar os recursos orçamentários alocados para a área social com parte do dinheiro da loteria. Visto de outro ângulo, trata-se de devolver ao povo, por meio da melhoria de serviços essenciais, o dinheiro que o próprio povo gasta nas apostas da loteria.
No caso do Brasil, o volume de apostas é praticamente igual ao do Reino Unido, e as demandas sociais são muito maiores.
Por isso, volto a sugerir um exame amplo das regulamentações dos diversos tipos de loteria existentes. Não ignoro a complexidade e as dificuldades que cercam uma decisão desse porte. Os resultados sociais, porém, compensarão.
Uma nova e completa regulamentação de Loteria Esportiva, Sena, Mega-Sena, raspadinha, Quina, bingo, jogos de televisão e mesmo o jogo do bicho, nos moldes da legislação britânica no que se refere à distribuição da receita semanal, com amplo debate público, poderia gerar substanciais recursos, adicionais aos previstos no Orçamento, para o governo aplicar em projetos ou iniciativas que revertam em benefício direto e imediato para a população.
Uma medida dessa natureza acrescentaria recursos hoje inexistentes para beneficiar as comunidades locais (hospitais, escolas, creches, conjuntos esportivos, cultura em geral, meio ambiente), as iniciativas da ação comunitária e outras áreas de interesse do governo, como, por exemplo, a melhoria e a ampliação do sistema penitenciário em todos os Estados.

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