São Paulo, terça-feira, 5 de agosto de 1997
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Reverter o curso perverso

TARSO GENRO

A discussão que se trava hoje na Europa, tanto nos meios acadêmicos, nas organizações da cidadania, como no movimento sindical, que envolve todos os setores que não têm interesse direto -de caráter negocial ou político- na atual forma de globalização da economia, é como reverter o curso perverso de um modelo capitalista que, na verdade, só favorece os 380 bilionários que concentram quase a metade da riqueza privada do mundo.
A vitória do PS francês e dos seus aliados é certamente apenas um capítulo na luta pela retomada das funções públicas do Estado.
O programa que Jospin pretende aplicar confronta diretamente o poder dos monopólios financeiros privados, e seu ponto de partida choca-se com o conteúdo da globalização na Europa: o cálculo econômico da unificação européia -segundo o programa dos socialistas franceses- deve partir dos direitos já conquistados pelo mundo do trabalho e considerar o crescimento substancial do emprego. Um projeto inaceitável pela dogmática neoliberal.
Como não só a economia é cada vez mais globalizada, mas também a política, nosso país tem tudo a ver com o que ocorre na Europa. Tanto é verdade que o presidente FHC, quando visitou a França, antes das eleições de junho, teve a especial preocupação de não receber Lionel Jospin, que na época não despontava como favorito, segundo cálculo político da nossa chancelaria.
Ou seja, a identidade do modelo brasileiro com a política neoliberal de Chirac-Juppé deveria expressar-se politicamente como um ato público de soberba em relação à esquerda francesa. A mesma que acolheu e respeitou o presidente quando ele esteve na França, durante o regime militar brasileiro.
Mas qual a "coerência econômica" que está na base da atitude presidencial? Trata-se, em última análise, da rendição do país a uma globalização predatória, que, em vez de pautar-se por relações equilibradas de cooperação entre as nações, submete nosso futuro econômico à máxima dependência. Sujeita, assim, o seu desenvolvimento à pauta do Consenso de Washington: enfraquecimento do Estado como indutor do desenvolvimento e privatizações sem nenhuma preocupação com um projeto estratégico.
Segundo dados divulgados pelo Banco Mundial, nos anos áureos das reformas neoliberais, entre 80 e 93, os gastos públicos dos países desenvolvidos, como EUA, Reino Unido, França e Alemanha, cresceram em torno de 10%, relativamente ao seu percentual sobre o Produto Interno Bruto. No mesmo período, os recursos "desativados", ou seja, nos quais ocorreu redução de gastos, foram principalmente aqueles destinados à saúde e à educação.
O significativo é que, enquanto caíam os gastos em saúde e educação, cresciam os gastos para pagamento de juros, nos seguintes percentuais: EUA, 18,2% (dos gastos públicos) para 23,7%; França, 15,6% para 20,4%; Alemanha, 12,6% para 20,4%. É o cassino global da ditadura do capital financeiro globalitário.
A manutenção artificial do nosso câmbio, amparado numa balança comercial crescentemente deficitária e numa também crescente dependência do "capital volátil", constitui um crime contra as futuras gerações, que pagarão pesadamente uma conta que é cada vez maior.
O que se pergunta é como uma política desta qualidade pode ser implementada, impunemente, num dos países mais ricos do mundo em recursos naturais e com um gigantesco potencial de mercado interno.
Trata-se da vitória da ideologia do "caminho único", ou seja, da formação de uma falsa consciência de que não resta a nenhum país -da Tailândia em via de falência à Argentina dos 20% de desemprego- senão seguir o roteiro recomendado pelos países hegemônicos e pelas instituições financeiras internacionais sob seu controle.
O PT entra no seu encontro nacional de agosto maduro para resgatar as dívidas que temos com a sociedade brasileira, exigidas, aliás, pela sequência de acontecimentos na cena mundial.
O processo de subordinação total do nosso desenvolvimento à ideologia do "caminho único", que hoje já sofre derrotas pesadas no continente europeu, inicia a sua decadência política. Era tempo. A barbárie ainda pode ser revertida.

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